A preguiça de interpretar ou de se informar não é novidade
nas redes sociais. A internet e o excesso de informação editada fazem com que as
pessoas tenham preguiça de pensar, de se informar adequadamente, facilitando
que descarreguem suas opiniões equivocadas da maneira como bem entendem.
Em março, foram publicadas resoluções no Diário Oficial da
União que garantem alguns direitos a pessoas transgênero. Essas pessoas passam
a ter garantido, dentro das escolas e demais instituições de ensino, o uso do
nome social e a possibilidade de frequentar os banheiros de acordo com suas
respectivas identidades de gênero.
A notícia começou a se espalhar agora por conta de um texto
repleto de equívocos publicado na página “Cabral arrependido”, que começa da
seguinte forma:
Parece piada, achei mesmo que fosse
piada, mas é real. Dilma lançou uma resolução que permite ao homossexual e aos
transgêneros escolherem nas escolas e universidades, qual banheiro querem usar.
Sendo assim sua filha ou sua mulher
será obrigada a usar o mesmo banheiro que um homem vestido de mulher, desde que
ele alegue que se acha mulher também. Isso é um absurdo imoral e prova que o
país está em um estado lastimável.
Deixando
de lado os erros gramaticais, gostaria de focar apenas nas falácias
argumentativas...
Claramente,
o discurso do autor demonstra como ele não tem conhecimento de conceitos como
sexualidade e identidade de gênero, estando alheio ainda à condição transexual
ao dizer que “um homem vestido de mulher” seria um indivíduo afetado pelo
projeto.
A
homossexualidade é uma orientação sexual. Isso significa que indivíduos
homossexuais se sentem atraídos por outros do mesmo gênero. Sendo assim, são
homens que se atraem por homens e mulheres que se atraem por mulheres. Esses
homens não apresentam desejo de “virar mulher”, nem essas mulheres apresentam
desejo de “virar homem”, pois o que está em jogo aqui é o gênero pelo qual as
pessoas se atraem, é o objeto de desejo. Dessa forma, homens gays e mulheres lésbicas continuarão,
como sempre fizeram, usando respectivamente os banheiros masculino e feminino.
A
transgeneridade é uma identidade de gênero que vai de encontro à do “sexo
biológico”. Isso quer dizer que, se a pessoa nasceu com um pênis e foi,
portanto, designada pelo médico como “menino”, ela sofrerá pelo fato de “ter
mente feminina”. Trata-se da noção de “nascer no corpo errado”. Não há aqui
nenhuma perversão ou questão sexual associada. Trata-se de alguém que, por se
sentir num corpo inadequado, busca modificar esse corpo para que ele esteja em
conformidade com sua auto-percepção, com sua mente. Não é “um homem vestido de
mulher”, mas uma mulher que nasceu no corpo de um “homem”; essa pessoa deseja
viver, a todo momento, como uma mulher, expressa-se como uma mulher, experiência
a vida como uma mulher. Não se trata de uma simples alegação e, por isso mesmo,
esses indivíduos passam por avaliações psicológicas e sentem a necessidade de
se apresentarem, a todo momento, como pessoas do gênero com o qual se
identificam.
Essa
pessoa passa por um processo complexo de aceitação de si que só é ainda mais
dificultado pela sociedade que não considera sua condição como legítima. A
finalidade do tal projeto de lei é esta: LEGITIMAR A CONDIÇÃO TRANS.
No
mais, banheiros públicos têm cabines justamente para que ninguém seja obrigado
a se expor, e é certo que essas pessoas, cerceadas pelos valores
heteronormativos, vão continuar a esconder seus corpos “diferenciados”.