terça-feira, 16 de setembro de 2014

João Antônio Donati, homofobia e a eterna luta contra o mal

Depois de muitos boatos veiculados inclusive por jornais considerados sérios, o caso do assassinato de João Antônio Donati aparentemente foi solucionado. Confessando o crime, Andrié Maicon Ferreira da Silva, um agricultor de 20 anos, nega que tenha havido qualquer conotação homofóbica. O suspeito disse à polícia que não é homossexual, mas que já havia se relacionado com outros homens e, como já sabemos, teve relações sexuais com o próprio João.

A fala do assassino suscita interpretações diversas, e, em se tratando de uma sociedade machista, em que a masculinidade é valorizada inclusive pelo papel "ativo" exercido na atividade sexual, como podemos refletir sobre a atitude do sujeito que confessou o crime?

Nada podemos afirmar sobre o que aconteceu para que a fúria do assassino fosse despertada, mas temos suas declarações, um tanto quanto familiares, sobre as quais podemos especular. Sim, não passam de especulações, mas importantes e necessárias.

A começar pelo sexo entre dois homens, um ato homossexual. Ora, se você pratica um ato homossexual, você pode ser : a) homossexual; b) bissexual; c) curioso. Uma vez que o indivíduo já se relacionara sexualmente com outros homens, sua curiosidade já havia sido sanada, o que me faz descartar a opção "c".

O outro ponto a ser especulado está no que o suspeito se recusou a fazer e que o levou a lutar contra João. Pela entrevista concedida, chamam a atenção as seguintes falas:
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Ele queria fazê otros tipo de coisa lá, eu num aceitei... (sic)
O problema foi ele que quis fazê gracinha comigo... (sic)

Que tipos de "outras coisas" João poderia querer fazer, resultando na fúria de seu parceiro sexual que diz não ser gay? Será que João, após ter sido penetrado, quis, então, penetrar o parceiro? Será que ele pediu ao parceiro que fizesse sexo oral nele?

Não fosse essa entrevista, a questão da homofobia poderia ser esquecida no referido caso. Mas essas declarações podem chamar a atenção para uma homofobia velada que presenciamos dentro do próprio meio LGBT, que discrimina os homossexuais efeminados e os "passivos". Trata-se de um outro nível do "pânico homossexual*"; o pânico de ser taxado como efeminado e, consequentemente, como "passivo" está relacionado ao medo ter sua masculinidade negada. Como explica Daniel Borrillo,
Muitos homens que assumem um papel ativo na relação com outros homens não se consideram homossexuais (…). Mas não basta ser ativo, é preciso que a penetração não seja acompanhada de afeto, pois isso coloca em perigo a imagem de sua masculinidade. Eis então como, a partir de uma negação, vários homens, mesmo tendo relações homossexuais regulares, podem recusar toda e qualquer identidade gay e ser homofóbicos. O ódio serve à reestruturação de uma masculinidade frágil, que necessita se reafirmar por meio do desprezo dos outros-não-viris: o frouxo e a mulher (BORRILLO, 2001).
Conservadores continuam a afirmar que a homofobia é uma criação de ativistas LGBT visando à obtenção de "privilégios". Mas esse assassinato nos mostra como a homofobia pode estar presente até na mentalidade dos homossexuais, disfarçada em discursos como o de "se dar ao respeito", "ser discreto" etc.
A polícia descartou a homofobia como motivação para o crime, mas, aparentemente, o papel do vilão já está bem definido.

Ironicamente, se João não tivesse sido assassinado e a luta corporal contra seu assassino fosse vencida pela vítima, eu me pergunto se não estaríamos diante de uma acusação de estupro por parte do suspeito...

Entraríamos, então, em outra discussão bastante controversa, pautada na boa aparência física de João em confronto à má aparência de Andrié, que aparece nas fotografias com roupas sujas e apresenta uma fala pouco articulada.
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*Eve K. Sedgwick chama de "pânico homossexual" (1990, p. 182) um medo ao qual homens estão suscetíveis em contextos de relações compulsórias com outros homens, nas quais a proximidade gerada por laços como a amizade, a admiração ou a subordinação se separa de forma tênue do desejo homossexual.

**Link para notícia contendo o vídeo da entrevista de Andrié: Mais Goiás

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