Depois de muitos boatos veiculados inclusive por jornais
considerados sérios, o caso do assassinato de João Antônio Donati aparentemente
foi solucionado. Confessando o crime, Andrié
Maicon Ferreira da Silva, um agricultor de 20 anos, nega que tenha havido
qualquer conotação homofóbica. O suspeito disse à polícia que não é
homossexual, mas que já havia se relacionado com outros homens e, como já
sabemos, teve relações sexuais com o próprio João.
A fala do assassino suscita interpretações diversas, e, em
se tratando de uma sociedade machista, em que a masculinidade é valorizada
inclusive pelo papel "ativo" exercido na atividade sexual, como podemos
refletir sobre a atitude do sujeito que confessou o crime?
Nada podemos afirmar sobre o que aconteceu para que a fúria
do assassino fosse despertada, mas temos suas declarações, um tanto quanto
familiares, sobre as quais podemos especular. Sim, não passam de especulações,
mas importantes e necessárias.
A começar pelo sexo entre dois homens, um ato homossexual.
Ora, se você pratica um ato homossexual, você pode ser : a) homossexual; b)
bissexual; c) curioso. Uma vez que o indivíduo já se relacionara sexualmente
com outros homens, sua curiosidade já havia sido sanada, o que me faz descartar
a opção "c".
O outro ponto a ser especulado está no que o suspeito se
recusou a fazer e que o levou a lutar contra João. Pela entrevista concedida,
chamam a atenção as seguintes falas:
Ele queria fazê otros tipo de coisa lá, eu num aceitei... (sic)
O problema foi ele que quis fazê gracinha comigo... (sic)
Que tipos de "outras coisas" João poderia querer
fazer, resultando na fúria de seu parceiro sexual que diz não ser gay? Será que João, após ter sido
penetrado, quis, então, penetrar o parceiro? Será que ele pediu ao parceiro que
fizesse sexo oral nele?
Não fosse essa entrevista, a questão da homofobia poderia
ser esquecida no referido caso. Mas essas declarações podem chamar a atenção
para uma homofobia velada que presenciamos dentro do próprio meio LGBT, que
discrimina os homossexuais efeminados e os "passivos". Trata-se de um
outro nível do "pânico homossexual*"; o pânico de ser taxado como
efeminado e, consequentemente, como "passivo" está relacionado ao
medo ter sua masculinidade negada. Como explica Daniel Borrillo,
Muitos homens que assumem um papel ativo na relação com outros homens não se consideram homossexuais (…). Mas não basta ser ativo, é preciso que a penetração não seja acompanhada de afeto, pois isso coloca em perigo a imagem de sua masculinidade. Eis então como, a partir de uma negação, vários homens, mesmo tendo relações homossexuais regulares, podem recusar toda e qualquer identidade gay e ser homofóbicos. O ódio serve à reestruturação de uma masculinidade frágil, que necessita se reafirmar por meio do desprezo dos outros-não-viris: o frouxo e a mulher (BORRILLO, 2001).
Conservadores continuam a afirmar que a homofobia é uma
criação de ativistas LGBT visando à obtenção de "privilégios". Mas
esse assassinato nos mostra como a homofobia pode estar presente até na
mentalidade dos homossexuais, disfarçada em discursos como o de "se dar ao
respeito", "ser discreto" etc.
A polícia descartou a homofobia como motivação para o crime,
mas, aparentemente, o papel do vilão já está bem definido.
Ironicamente, se João não tivesse sido assassinado e a luta
corporal contra seu assassino fosse vencida pela vítima, eu me pergunto se não
estaríamos diante de uma acusação de estupro por parte do suspeito...
Entraríamos, então, em outra discussão bastante controversa,
pautada na boa aparência física de João em confronto à má aparência de Andrié, que
aparece nas fotografias com roupas sujas e apresenta uma fala pouco articulada.
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*Eve K. Sedgwick chama de "pânico homossexual" (1990, p. 182) um medo ao qual homens estão suscetíveis em contextos de relações compulsórias com outros homens, nas quais a proximidade gerada por laços como a amizade, a admiração ou a subordinação se separa de forma tênue do desejo homossexual.
**Link para notícia contendo o vídeo da entrevista de Andrié: Mais Goiás
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*Eve K. Sedgwick chama de "pânico homossexual" (1990, p. 182) um medo ao qual homens estão suscetíveis em contextos de relações compulsórias com outros homens, nas quais a proximidade gerada por laços como a amizade, a admiração ou a subordinação se separa de forma tênue do desejo homossexual.
**Link para notícia contendo o vídeo da entrevista de Andrié: Mais Goiás
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