terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

HIV, a continuidade dos preconceitos e a transmissão dolosa

Recentemente, espalhou-se pela internet a notícia – um tanto quanto tardia – sobre grupos que estariam promovendo táticas para espalhar propositalmente o vírus HIV. Considero a notícia tardia porque a prática existe há bastante tempo e, apesar de os jornais mencionarem comentários que chamaram a atenção no Facebook há três semanas, lembro-me de ter visto compartilhamentos com certa frequência sobre o tema desde o ano passado.

O estigma do vírus HIV e da aids é ainda grande e eventualmente ainda ouvimos que se trata de uma “doença gay”. No passado, essa perspectiva fez com que a infecção entre heterossexuais aumentasse exponencialmente, uma vez que muitos acreditavam não pertencer a grupos de risco, não precisando de proteção. Como resultado, segundo o Ministério da Saúde, desde o início dos registros de infecção pelo HIV no Brasil até o mês de junho de 2013, o número de heterossexuais contaminados por contato sexual foi 55,6% superior ao de homossexuais. Em outra pesquisa, divulgada na semana passada, foi revelado que, apesar de 94% dos brasileiros saberem da importância do uso da camisinha na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, 45% dos indivíduos sexualmente ativos não usaram camisinha em relações ocasionais em 2013, percentual que permanece estável desde 2004!

Até hoje, o número de homens heterossexuais no país infectados é maior que o de homossexuais, mas há uma questão preocupante: o número de homens homossexuais infectados, por ano, aumentou muito, enquanto o número de homens heterossexuais apresentou, consistentemente, índices pequenos.

Nesse sentido, o alarde promovido pela notícia da existência de grupos formados com o objetivo de infectar outros indivíduos merece atenção. A prática bareback tem seus adeptos e é considerada um fetiche, pior ainda, uma espécie de subcultura da qual fazem parte homens e mulheres, que costumam justificar o fato de não usarem camisinha por ela diminuir o prazer durante o ato.

Uma matéria publicada em 22 de fevereiro deste ano (2015) no Estadão descreve como funcionam os chamados “clubes do carimbo” (em inglês, fala-se em “stamp’s clubs”), sujeitos que atualmente se reúnem em blogs ou grupos no Facebook, adeptos do sexo bareback contaminado à procura de parceiros.

É importante ressaltar que o bareback em si não tem como objetivo a transmissão do vírus; trata-se de uma prática sexual sem o uso da camisinha. Muitos praticantes são, inclusive, contra a conversão de novos adeptos, exigindo exames que confirmem, antes, que o parceiro não sofra de nenhuma DST. Obviamente, isso não faz com que a aids não seja transmitida entre essas pessoas.

Porém, não são poucos os indivíduos soropositivos que praticam o sexo apenas sem camisinha, que se auto intitulam “vitaminados” e que têm realmente o objetivo de contaminar outras pessoas. No caso específico noticiado pelo Estadão, dois blogs foram pesquisados, em função de um aviso postado e compartilhado diversas vezes pelo Facebook. Uma das páginas foi removida, mas a outra, mantida por alguém que mora no Rio Grande do Sul, continua ativa e nos espaços reservados para os comentários acontecem discussões em geral sobre o assunto. Nesses ambientes virtuais são trocados endereços de e-mail e números de telefone, postadas fotos e anúncios, marcadas festas, orgias e alguns até chegam a sugerir a gravação de filmes amadores.

Em um blog mantido por um barebacker, há inclusive dicas detalhadas de como "sabotar" a camisinha, espetando-a várias vezes com um alfinete ainda embalada ou recortando a ponta do preservativo. Ao fim da postagem, o autor diz que oferece as dicas porque os leitores se interessam, o que não significa que ele pratique aquilo. Porém, sua página é repleta de "selos" contra o uso da camisinha, como os abaixo:


No .gif acima, o símbolo formado é aquele usado para indicar "risco biológico", muito comum em indústrias químicas e estabelecimentos médicos. Ele vem sendo usado no meio gay por homens soropositivos justamente para indicar a "contaminação".


Desde a década de 1990 há notícias esparsas a respeito da “roleta russa” em festas, nas quais pessoas se reúnem para fazer sexo, sem saber qual é a soropositiva – sabendo apenas que, na orgia, estará presente alguém contaminado pelo HIV, às vezes sendo mais de uma pessoa. Diga-se de passagem, há festas exclusivamente heterossexuais que seguem esse esquema também.

Aqui, entramos em uma outra discussão: um número crescente de diagnósticos ocorre entre mulheres mais velhas, que não usavam preservativo com o parceiro em suas relações estáveis. Sem saber se o parceiro havia frequentado ou ainda frequentava casas de prostituição, ou se a traiu em algum momento, a mulher ainda assim não se preocupava com a camisinha, seja por pressão do próprio parceiro ou por não se considerar como um grupo de risco. É provável que seus parceiros não soubessem de sua condição, descoberta apenas cinco ou dez anos depois – uma vez que o vírus pode permanecer incubado por mais de dez anos –, em alguma situação de vulnerabilidade, como de uma gripe persistente ou alguma doença que parece não se curar.

Mesmo entre jovens, recém-iniciados na vida sexual, ainda existem as garotas que cedem à pressão dos parceiros para não usar camisinha. Desde cedo elas estão sujeitas não apenas ao risco de contrair o vírus HIV, mas também outras doenças sexualmente transmissíveis.


Voltando aos próprios “clubes do carimbo”, pode ser que um grande número de “participantes” seja casado, ou mesmo façam sexo ocasionalmente com mulheres, sem lhes contar sobre serem “vitaminados”, nem se preocupar em usar preservativo. Durante o carnaval, as chances de espalharem o vírus aumenta a níveis assustadores!

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