sábado, 30 de setembro de 2017

Censura seletiva e medos direcionados


Mais uma vez, a arte foi alvo de uma histeria coletiva provocada pela distorção da realidade e, claro, reforçada pela eterna preferência por se manter a desinformação. O empenho em se proteger a família tradicional, a moral e os bons costumes consiste em apontar as armas para casos que são convenientemente tirados do contexto e transformados em crime - ao que parece, a acusação preferida tem sido a apologia à pedofilia. Sem perder de vista, claro, que tudo isso é coisa de comunistas...

A performance do artista Wagner Schwartz, uma releitura da série "Bichos", de Lygia Clark, envolvia a interação. Com base na proposta de Clark de um organismo vivo com o qual o público possa interagir e promover uma integração, Schwartz se apresenta, primeiro demonstrando o ato com um origami (reprodução de um dos "Bichos") e, posteriormente, colocando a si mesmo na posição de objeto-origami, organismo vivo que pode ser manipulado.

A nudez de Schwartz representa uma vulnerabilidade, não havendo conotação erótica alguma. Que um corpo nu esteja disposto e possa ser visto é fruto de tabu até mesmo nos dias atuais, mas o contexto em que esse corpo se apresenta dificilmente dá margens para atos libidinosos.

A apresentação realizada no Museu de Arte Moderna de São Paulo foi restrita a convidados (dentre eles, uma garota de 5 anos que foi à mostra com a mãe, sendo a única criança presente) e a própria instituição se encarregou de alertar sobre a nudez em questão.

Em agosto, Schwartz se apresentou no Goethe Institut em Salvador e, na ocasião, foi permitida a entrada de crianças acompanhadas de seus pais. E, nas palavras do curador do evento que ocorreu na Bahia, Jorge Alencar, "em nenhuma dimensão La Bête, fruto de um trabalho muito sério, tem conexão com sexualidade e erotismo". Ele aponta ainda que "houve harmonia entre crianças e adultos. Estamos certos que a arte entende o corpo nu muito além do sexo. Somos nós. É lugar de resistência e de liberdade. Com essa onda conservadora potencializada pelas redes, o nu é culpabilizado".

Pior do que enxergar perversão onde há apenas a nudez é querer determinar o que é ou deixa de ser arte com base em princípios morais, além de interpretar livremente a lei, a fim de encontrar pedofilia no ato - e, segundo uma protestante conservadora em vídeo que roda pela internet, houve até orgia com crianças. De repente, artistas, curadores, professores e até mesmo juristas - caso estes não concordem com as acusações de conservadores - são burros, despreparados, comunistas doutrinadores alienados.

Enquanto isso, os verdadeiramente esclarecidos cidadãos de bem lutam suas batalhas devidamente selecionadas por políticos e pastores.

*charge por Ribs: https://www.facebook.com/matheusribsoficial

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