O movimento LGBT como o conhecemos hoje tem uma história
recente. Nos anos 1950 os grupos criados para advogar a favor dos gays – por muito tempo “gay” vem sendo usado como termo
dominante para se referir a todos os LGBTs, uma simplificação um tanto quanto
incômoda – se apoiavam em discursos de psicólogos, psiquiatras e sexólogos para
deixar claro à sociedade que não podiam fazer nada a respeito de sua homossexualidade.
A ideia era a de que a homossexualidade era uma espécie de patologia ou doença,
sobre a qual homossexuais não tinham controle algum e da qual não se
orgulhavam. Mas à parte desse “desvio”, eram sujeitos normais, que queriam ser
aceitos pela sociedade.
O problema desse pensamento estava justamente no fato de não
se orgulharem dessa “perversão” incontrolável, da qual, aparentemente,
envergonhavam-se. Tinham um desejo de adequação e assimilação tão grandes que
pareciam pedir desculpas por sua sexualidade.
Nos Estados Unidos, durante as décadas de 1950 e 60, o
sistema legal/judiciário era abertamente contra o comportamento homossexual; à
época, todos os estados americanos consideravam crime a “sodomia”, mesmo que o
ato fosse consentido entre adultos – à exceção de Ilinois, que descriminalizou
a sodomia em 1961.
A rebelião que ocorreu em Stonewall Inn, em Nova Iorque, no
ano de 1969, não foi a primeira demonstração de descontentamento por parte de
indivíduos LGBT, mas representou um marco na luta pelos direitos da comunidade.
Os últimos anos da década de 1960 viram o surgimento de
diversos movimentos sociais, como o African
American Civil Rights Movement (lutando pela igualdade de direitos civis
para afro-americanos), as manifestações anti-guerra e a contracultura. Nesse
espírito, indivíduos LGBT também passaram a lutar por sua legitimidade, recusando-se
a permanecerem invisíveis.
O Greenwich Village, em Nova Iorque, era o bairro onde
homossexuais e pessoas trans se reuniam à noite e o bar Stonewall Inn, que
pertencia à máfia, era conhecido por sua popularidade entre os mais pobres e
marginalizados da comunidade gay,
como drag queens, transgêneros, jovens
homens efeminados, sem-teto e michês. Portanto, era comum que acontecessem
batidas policiais de surpresa no local. Mas em 1969 as tensões entre LGBTs e a
polícia culminaram em uma série de protestos que se repetiram por várias noites
seguidas, ficando conhecidos como Stonewall
Riots (ou “Rebelião de Stonewall”).
Drags, crossdressers, transgêneros e gays efeminados participaram ativamente
dos levantes. Naquela época, a ideia de transgeneridade não era difundida, e a
verdade é que mulheres trans eram confundidas com drag queens - diz a lenda, foram as drag queens as primeiras a resistirem fisicamente à força policial
em Stonewall (em entrevista para o documentário Pay it no Mind: Marsha P. Johnson, o escritor David Carter revela que algumas testemunhas oculares lhe contaram ter visto Marsha gritar "Eu tenho meus direitos civis!" e jogar um copo no espelho, dentro do Stonewall Inn, e foi justamente esse o ato a deflagrar os protestos).
Contudo, essas pessoas são hoje, com frequência, deixadas à margem do movimento LGBT, por desafiarem um padrão de “respeitabilidade” estabelecido inclusive para homossexuais, que devem ser “discretos” e permanecer “no armário” socialmente.
Contudo, essas pessoas são hoje, com frequência, deixadas à margem do movimento LGBT, por desafiarem um padrão de “respeitabilidade” estabelecido inclusive para homossexuais, que devem ser “discretos” e permanecer “no armário” socialmente.
Ativistas importantes como Marsha P. Johnson e Sylvia
Rivera, que se auto-proclamavam “transvestites”
(palavra já obsoleta, usada para designar cross-dressers),
usavam o termo “gay” para se referir
à comunidade como um todo, de maneira inclusiva, uma vez que a luta de todos e
todas, naquela época, focava-se no simples direito de existir e de ter controle
sobre o próprio corpo.
Um ano após os motins, em 28 de junho de 1970, aconteceram
as primeiras marchas do Orgulho Gay, nas
cidades de Nova Iorque, Los Angeles, São Francisco e Chicago, em comemoração
aos levantes. Posteriormente, as marchas foram organizadas em outras cidades e
se espalharam pelo mundo, acontecendo preferencialmente em junho.
As paradas são um momento de celebração, uma comemoração
daquele passo dado por pessoas excluídas da sociedade que eram espancadas e
reprimidas por forças policiais simplesmente por estarem na rua. Se nos eventos
de hoje as pessoas se beijam e expressam seu amor livremente, é porque foi
preciso uma luta física para que isso pudesse acontecer.
No entanto, sempre que ocorrem as paradas sofremos também
com o “fogo amigo”. Membros da comunidade LGBT que batem no peito para dizer
que a parada não os representa, agarrando-se a argumentos moralistas e que
expressam uma vergonha em relação ao movimento “gay” contemporâneo. Criticam a promiscuidade de participantes que
vão à parada apenas para “fazer pegação”... Claro, em eventos e celebrações
regados a música e álcool, é de se esperar que ocorram excessos. No caso das
paradas não seria diferente.
Lembro-me do discurso de Clodovil Hernandez, ainda aplaudido
por muitos, afirmando que não tinha orgulho de ser homossexual. Trata-se de um
reforço da noção de que a homossexualidade é uma característica negativa do
indivíduo; uma posição que sustenta a polarização que determina que ser
heterossexual é bom e ser homossexual é ruim. Qualquer semelhança com o
discurso dos grupos chamados homófilos, dos anos 1950, não é mera coincidência.
Trata-se da ideia de “respeitar para ser respeitado”... um respeito aos outros
que passa pela falta de respeito a si mesmo, na verdade, já que depende de uma
internalização da vergonha que outros nos fazem sentir.
Não podemos nos esquecer, no entanto, que a demonstração de
carinho em público é uma forma de protesto para nós, LGBTs, que ainda
afrontamos o sistema com nossa simples existência, como é possível notar pelos
discursos conservadores e fundamentalistas que andam se propagando. Não podemos
nos dar ao luxo de reprimirmos uns aos outros dentro da comunidade, pois é isso
que querem de nós os que são contra nós – a separação dos grupos, a desunião,
as tensões.
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