quarta-feira, 17 de junho de 2015

A ideologia por trás da ideologia de gênero

ideologia. s.f. P.ext. Sociologia. Organização de ideias fundamentadas por um determinado grupo social, caracterizando seus próprios interesses ou responsabilidades institucionais: ideologia cristã; ideologia fundamentalista; ideologia nazista etc. P.ext. Reunião das certezas pessoais de um indivíduo ou de um grupo de pessoas; percepções culturais, sociais, políticas etc: sua ideologia é fazer bem ao próximo. Política. Reunião das ideias características de um grupo, de um período, e que marcam um momento histórico: ideologia capitalista. 
Eu moro em São João del-Rei, cidade em que o catolicismo foi transformado em patrimônio juntamente com suas estonteantes igrejas.
Infelizmente, o povo aqui é como o povo no mundo todo: vive de boatos e especulações.
Tirando proveito disso, um vereador lançou a seguinte campanha...


Na descrição para a foto, lê-se:

#DigaNãoAIdeologiaDeGênero
Se a "Ideologia de Gênero" for aprovada, todas as nossas crianças deverão aprender que não são meninos ou meninas, e que precisam inventar um gênero para si mesmas. Para isso, receberão materiais didáticos destinados a deformarem sua identidade. E isso será obrigatório, por lei.Cabo Zanola apresentou uma emenda que RETIRA do plano municipal de educação esse termo.
Afinal, não basta o indivíduo defender seu ponto de vista em relação a um Plano que, aparentemente, ele não soube interpretar; ele precisa INVENTAR um argumento com base na distorção dos pensamentos teorizados pelos estudos de gênero.

Segundo o Cabo Zanola, se o Plano Municipal de Educação for aprovado, as crianças aprenderão que não existem "meninos" e "meninas", mas que elas podem/precisam "inventar" um gênero para si mesmas. (Toda vez que eu releio essa descrição eu tenho vontade de bater com a cabeça no teclado, porque me faltam palavras...)

Vamos por partes.
Primeiramente, quando refutamos a noção de que o gênero é algo natural não estamos negando sua existência. Estamos simplesmente tentando chamar a atenção para o fato de que o discurso que prega que "meninos são assim" e "meninas são assado" é uma construção cultural. Antes mesmo de o bebê nascer, os pais criam expectativas em torno do gênero que é determinado para ele. O médico olha, através do ultrassom, se existe ali um pênis ou não e é por esse dado que ele vai determinar o gênero do bebê. E essa determinação vai governar TODA A EXISTÊNCIA daquele indivíduo que ainda nem nasceu.

O problema é que, ao dizer que é "menino" ou "menina", o médico faz com que sejam geradas ideias a respeito da personalidade do bebê, de como ele deverá se comportar no futuro, de que vida ele deve levar a partir de seu nascimento. Só porque a criança nasce com um pênis há uma suposição de que ela vai gostar da cor azul, vai preferir brincar com carrinhos, vai se interessar por futebol e sentir atração por "meninas". O direito à individualidade, a construir sua própria identidade, é tirado da criança desde seu nascimento por conta de suposições constantemente reiteradas pela sociedade!

Imagine você se sua filha detesta usar saia e não gosta da cor rosa, prefere a vermelha. É justo que você a obrigue a usar uma saia rosa só porque a cultura afirma veementemente que garotas devem gostar de saia e de rosa?

Quando o seu filho chora, você procura conversar para saber o que aconteceu ou você imediatamente o manda "engolir o choro", porque "homem não chora"?!

Os estudos de gênero procuram demonstrar como o que temos por "identidade masculina" e "identidade feminina" não são "coisas que nascem com a gente"; são, na verdade, impostas, naturalizadas, essencializadas para que não as questionemos.

Essa imposição é perigosa, pois dita que um garoto deve ser viril, corajoso, racional, ao passo que uma garota deve ser delicada, vaidosa, sensível - e, pior ainda, submetida ao homem. Se, de alguma forma, a criança não segue essa "regra", ela sofre, dentro da escola, com a pressão para reprimir sua "diferença", por meio de piadas de mau gosto, insultos, brincadeiras violentas. O resultado disso? A taxa de suicídio entre pessoas LGBT é incrivelmente mais alta que a dos demais, por conta da forma como são ensinados a odiarem e a sentirem vergonha de si mesmos. Essas pessoas são constantemente lembradas, pelas instituições, de como seu jeito de ser é inaceitável e repreensível.

Cheguei a ouvir que, ao tratar de questões de gênero na escola estaríamos tirando a inocência das crianças... e que o uso do banheiro de acordo com a identidade de gênero abre caminho para que pervertidos entrem nos banheiros femininos (já falei disso aqui). Curioso é como quem vê as coisas pelo lado pervertido da história são apenas os que estão criticando... Nós, por outro lado, estamos enxergando formas de combater o "pensamento pervertido" lutando para se ensinar um senso crítico e dotar as crianças de poder de reflexão!

O Plano Municipal, preocupado com a forma como os preconceitos vêm sendo disseminados dentro das escolas - preconceitos de todas as vertentes, diga-se de passagem - e em como isso afeta a vida escolar e pessoal de cada aluno, propõe que algumas questões sejam abordadas dentro da sala de aula. Dentre essas questões, está  a do gênero enquanto construção social que obriga meninos e meninas a assumirem papéis socio-identitários pré-determinados.


Abaixo, segue o texto do PME; eu destaquei os trechos em que se trata da questão de gênero:
II – DIAGNÓSTICO:
O GT Educação Étnico-Racial e para Diversidade amparou seus estudos na lei nº 9.394/96 (LDB), em seus artigos 26 A e 79 B; na lei nº 10.639/03, que torna obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana no currículo da Educação Básica; na lei 11.645/08 que insere a obrigatoriedade da educação indígena no currículo da Educação Básica e nas resoluções CNE/CP1/04 e CNE/CP3/04. Além dos de diversos documentos de organismos internacionais de defesa dos direitos humanos dos quais o Brasil é signatário.
Novos cenários sociais, reflexões relativas ao Currículo e suas estruturas, assim como os processos de aprendizagem e construção do conhecimento tomaram conta dos debates nas últimas décadas do século XX e se consolidaram na atualidade evidenciando trabalhos e conquistas de uma gama de pesquisadores, estudiosos e movimentos sociais.
Todo esse relevante avanço na discussão de temáticas e reivindicações de abordagens que inserissem novos atores sociais e também os à margem da história, aliado ao processo profícuo de aumento do acesso de crianças e jovens às instituições escolares, não conseguiu acabar com o brutal desconhecimento da realidade vivida pelas comunidades negras e periféricas de nosso país. Estes estão presentes nas unidades de ensino, porém, não se reconhecem e não possuem nenhum sentimento de pertença às mesmas. “Crianças, adolescentes e jovens; negros e negras têm vivenciado um ambiente escolar inibidor e desfavorável ao seu sucesso, ao desenvolvimento pleno de suas potencialidades.”
O grupo de trabalho considera de extrema importância a fundamentação do cotidiano da prática escolar para uma educação livre de preconceitos e de antigos vícios culturais. Considera que a escola deve direcionar-se para a edificação do sujeito na construção de bases educacionais que combatam o racismo a xenofobia e a homofobia.
Diante da ausência dessa temática no atual Plano de Educacional do nosso município, faz-se urgente inseri-la, para que possamos tratar com justiça e dignidade a história e os valores herdados do povo negro e demais grupos étnicos-culturais e minorias da sociedade brasileira..
III – DIRETRIZES
1 - Tratar a questão racial e as questões de gênero, etnias, dos grupos GLTB, de outros grupos socioculturais como conteúdos multidisciplinares durante o ano letivo.
2 - Reconhecer e valorizar as contribuições do povo negro, das mulheres, dos grupos, dos movimentos GLTB, dos indígenas e outros grupos socioculturais articulando ações entre a Educação e as Secretarias de Cultura e Esporte e Lazer.
3 - Abordar as situações de diversidade étnico-racial e a vida cotidiana nas salas de aula.
4- Combater as posturas etnocêntricas para desconstrução de estereótipos e preconceitos atribuídos aos grupos negros, homossexuais, mulheres, imigrantes e pessoas com deficiência.
5 - Investir na formação específica dos Professores quanto à temática da educação das relações étnico-raciais e o estudo de História e Cultura Afro-brasileira e cultura africana e Indígena seguindo o que reza as leis 10.639/03, 11.645/08 e as resoluções CNE/CP1/2004 e CNE/CP3/04.
6 - Recusar o uso de material pedagógico contendo imagens estereotipadas do negro, homossexuais, estrangeiros e pessoas com deficiência, como postura pedagógica voltada à desconstrução de atitudes preconceituosas e discriminatórias.
7 - Criar grupos de estudos permanentes sobre a temática, para a construção coletiva de alternativas pedagógicas com suporte de recursos didáticos adequados ao aperfeiçoamento e produção de materiais para formação e capacitação dos professores da Rede Municipal de Ensino.
IV – METAS:
1 - É fundamental fazer com que o estudo não seja reduzido a estudos esporádicos ou unidades didáticas isoladas. A questão racial deverá ser um tema tratado em todas as propostas de trabalho, projetos e unidades de estudo ao longo do ano letivo.
2 - Estudar a cultura afro-brasileira e das sociedades latino-americanas tratando-a com consciência e dignidade, enfatizando suas contribuições sociais, econômicas, culturais, políticas, intelectuais, experiências, estratégias e valores, potencializando atividades que promovam e evidenciem as contribuições da comunidade negra divinopolitana, das mulheres, dos demais grupos sociais minoritários e as heranças latino-americanas.
3 - Firmar parcerias com a sociedade civil organizada (ONGS, Movimento Negro e Associações de Bairro etc.) – parcerias que enriquecerão e ampliarão a atividade pedagógica no ambiente escolar, visto que, comunidade e escola devem construir em conjunto o conhecimento para valorização e edificação mútuas.
4 - Articular ações educativas e promover campanhas em parceria com os organismos de defesa dos direitos humanos; Promotoria da Infância e Juventude; Secretarias de Educação e com o Poder Legislativo.
5 - O Município deve investir na formação dos professores no trato deste tema. É fundamental o investimento na capacitação dos profissionais da Educação para garantir qualidade na execução das atividades previstas dentro dos ordenamentos jurídicos e educacionais, nos quais esta temática está inserida.
6 - É imprescindível banir do ambiente escolar qualquer texto, referências, discriminações; decorações, desenhos, qualificativos ou visões que construam ou fortaleçam imagens estereotipadas de negros e negras, mulheres, homossexuais, pessoas com deficiências e estrangeiros, assim como pessoas com deficiências.
7 - A criação de um grupo específico de estudos permanentes sobre a temática étnico-racial, diversidade e culturas latina-americanas é de suma importância para o enriquecimento dos saberes. Aos mesmos caberá o ofício de selecionar, sistematizar, analisar e contextualizar o que é relevante para o entendimento do processo histórico de reconstrução da memória das comunidades afro-brasileiras e fomentação de uma cultura livre de preconceitos e vícios culturais.
8 – Favorecer o desenvolvimento dos estudos da história e das culturas dos povos latino-americanos nas redes de ensino do município e a criação de grupos de estudos sobre os povos latinoamericanos
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Em tempo, sobre as crianças, a história do adorável Sam fala por si só:

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Para quem se interessou e deseja conhecer mais sobre as questões de gênero, sugiro as seguintes leituras:



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