O poderoso escudo da opinião vem sendo evocado ferozmente
nas discussões pela internet afora. Com ares de cartada final, sem precisar
levar a cabo qualquer argumento, a derradeira fala – “É minha opinião!” – surge como encerramento,
com sua ilusão de que, ali, foi dado um verdadeiro xeque-mate. Se é a minha
opinião, você não tem o direito de contestá-la.
Mas há um problema e, eu diria, até certa ingenuidade por
parte de quem lança essa cartada. Afinal, a verdadeira opinião diz respeito ao
gosto pessoal, a algo que não pode ser verificado factualmente por ser, bem,
opinião. Quando a pessoa faz uma afirmação errada e prontamente a classifica
como opinião, o que ela está fazendo é tirar uma conclusão com base em
informações limitadas e/ou inverídicas. Em outras palavras: o fato de você achar
que é sua opinião não a isenta de estar absolutamente errada no sentido mais
primário do termo. E aí, se você se apega a isso como opinião, não significa
também que eu deva respeita-lo por isso, nem que eu deva deixar de contestar suas ideias – principalmente se sua própria opinião
for desrespeitosa (e, pior ainda, se você repetir o clichê de “respeitar para
ser respeitado").
Por exemplo: eu posso defender a abolição de rótulos porque
não gosto do uso deles e, portanto, prefiro não usa-los. É minha opinião.
Porém, quando eu digo que rótulos não importam, eu estou afirmando um equívoco,
uma vez que é verificável o fato de que rótulos não só importam como definem,
em nossa sociedade, inclusões e exclusões diversas.
Se eu acredito, equivocadamente, que rótulos não importam –
apesar de todas as provas que vão de encontro a essa crença –, eu estaria, além
do mais, traindo minha própria fala a partir do momento que eu decidir usar um
rótulo. Ora, se o rótulo não importa, então por que eu iria usá-lo? É ainda
pior quando, além dessa opinião mal informada, eu opto pelo uso de um rótulo de
uma forma que ignora seu conceito e suas implicações sociais.
Um exemplo prático acontece quando eu coloco drag queens e travestis dentro do rótulo
de “transexuais”. O fato de eu defender a abolição de rótulos ou de não gostar
deles não significa que essa colocação não possa estar errada, além de expor uma clara
falta de informação.
Para quem acompanha a questão LGBT em suas múltiplas
faces, estamos testemunhando um embate ferrenho entre ativistas transgênero e drag queens, desde 2013, pela forma como
o senso comum vem associando essas categorias de forma negativa e generalizada.
Esse tipo de situação é ainda pior quando o erro é cometido por alguém do meio
LGBT, como uma pessoa homossexual que se supõe ativista, pois revela, ainda,
uma negligência no que diz respeito ao tratamento do assunto.
Se um indivíduo heterossexual defende o uso errado da
terminologia, sua conclusão está embasada no erro anterior, propagado pelo
indivíduo que deveria ter conhecimento das questões LGBT, mas que,
convenientemente, prefere não lhes dar a devida atenção.
Mantendo-me na linha de pensamento da rotulação, acredito
que, por mais que ela trabalhe a favor de uma segregação, não se pode negar
que, politicamente, há uma necessidade de se definir quem se é. Em outras
palavras, para que exponhamos nossas demandas, precisamos, antes, definir quem
somos e nossas motivações. Nesse sentido, a separação entre sexualidade e
identidade de gênero é feita porque as demandas de homossexuais e bissexuais
não são as mesmas de transgêneros, transexuais e travestis.
A percepção de uma
pessoa que se identifica como homossexual certamente não é a mesma de alguém
que se identifica como trans, apesar de ambas as identidades se depararem, em
suas vidas, com pressões sociais diversas.
Portanto, se eu uso minha visão de homossexual para dizer a
uma pessoa trans como eu acho que ela deve se sentir eu estou, novamente,
utilizando-me de uma concepção limitada e equivocada para expor uma suposta
opinião.
Como Jef Rouner,
eu também passo mais tempo discutindo nas redes sociais do que poderia ser
saudável mental e fisicamente para mim. Com frequência, o tempo da minha vida
que perco em discussões que vão para um caminho literalmente estúpido poderia
muito bem ser gasto com textos como este, em que tenho tempo para embasar meu
ponto de vista sem ter de me preocupar com uma resposta imediata.
Obviamente,
quando meu ego é ferido a nível pessoal, eu simplesmente me esqueço de minhas
motivações e da minha capacidade de ser melhor debatedora, independentemente da
minha formação.
Cometo o erro de expor essa formação como validação do meu
argumento quando sinto que a cartada da opinião é lançada juntamente a uma
tentativa de diminuição do conhecimento ou da personalidade da pessoa.
Normalmente, não gosto de falar em narrativas pessoais (erro que já cometi
demais no passado) nem em posições individuais que não tenham relação com o
tema discutido. Ao mesmo tempo, não consigo deixar passar o fato de que,
enquanto uns se esforçam continuamente para adquirir conhecimento da maneira
como podem, há os que preferem insultar o outro, prontamente, e, não raro,
mandar a pessoa “ir estudar” sem que, antes, tenham eles mesmos estudado.
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