Não é novidade que muitas pessoas se confundem quanto ao que seja o feminismo. A luta para que as mulheres adquiram status de igualdade em uma sociedade historicamente dominada pelo masculino implica no reconhecimento de que o machismo, além de oprimir as mulheres, exerce pressões sobre os homens com base nas imposições de papéis sociais. Sendo assim, não ignoramos o fato de que aos homens é delegada a obrigação de sustentar suas famílias, de ser viril, corajoso, física e emocionalmente forte, entre outras coisas. No entanto, como mulheres, colocamos, de fato, nossas necessidades em primeiro plano por uma questão óbvia de prioridade.
Por vezes, discordo de algumas atitudes de determinadas militantes feministas no que diz respeito ao tratamento do homem, pois acredito que também entre nós há as que acreditam que o feminismo seja o oposto ao machismo - sendo assim, acreditam que a mulher deve fazer com o homem o mesmo que o homem faria com a mulher. O homem não deve ser o protagonista da luta feminista, e não devemos permitir que ele tire proveito de nosso protagonismo. Mas isso não significa que eles não possam se tornar nossos aliados.
Ademais, é preciso afirmar que não existe apenas um feminismo, mas feminismos, uma série deles, cada um com suas prioridades e linhas de pensamento voltadas para certos recortes e abordagens da causa feminina.
Quando algum homem usa das "justificativas" abaixo para não apoiar o feminismo, contudo, eu não posso deixar de pensar em como as concepções equivocadas se espalham mais facilmente que o debate sensato e que, principalmente hoje em dia, a preguiça de pensar acaba sendo mais efetiva que o raciocínio lógico. Ainda assim, decidi tirar um tempo para responder a esses "argumentos" que mais parecem piadas prontas...
1) Por que as mulheres se aposentam antes dos homens?
Argumento piada: Isso já é um direito a mais, sem contar a
licença maternidade.
O número de mulheres que, ao saírem do trabalho, ainda têm
de enfrentar uma segunda jornada em casa fazendo a limpeza, cozinhando e
cuidando dos filhos é absurdamente maior que o de homens que fazem isso. É tão
maior que até hoje homens que vivem com os filhos, como pais solteiros, que
cuidam da casa, chegam a receber aplausos.
Primeiramente, hoje em dia há empresas que permitem até uma
licença-paternidade de alguns dias, o que já é um interessante reconhecimento
de que a chegada de um filho também afeta ao pai psicologicamente (e, vá lá, às
vezes fisicamente também). Contudo, nunca se esqueça da cultura, segundo a qual
a mãe deve ter obrigatoriamente um instinto materno e uma necessidade de cuidar
dos filhos, além de prever a condenação daquela que sofre de depressão
pós-parto – ora, um momento tão feliz e mágico, não tem motivos para depressão!
Acho desnecessário lembrar do impacto físico e hormonal no corpo da mulher.
Outra questão está no fato de que a cultura de a mulher ter o dever de cuidar da casa e dos filhos continua a ser perpetuada. Não basta "dialogar com o marido" ou "pedir ajuda a ele nos serviços da casa", pois, para grande parte das mulheres, não é nem mesmo possível ter esse tipo de diálogo - muitas são ensinadas a servir o homem desde cedo.
Outra questão está no fato de que a cultura de a mulher ter o dever de cuidar da casa e dos filhos continua a ser perpetuada. Não basta "dialogar com o marido" ou "pedir ajuda a ele nos serviços da casa", pois, para grande parte das mulheres, não é nem mesmo possível ter esse tipo de diálogo - muitas são ensinadas a servir o homem desde cedo.
(Se você acha que o direito de aposentadoria um pouco mais
cedo e a licença maternidade são “privilégios”, sugiro que você olhe no
dicionário o significado da palavra. Melhor, vai aqui a definição: “Vantagem (ou
direito) atribuída a uma pessoa e/ou grupo de pessoas em detrimento dos
demais”. Esses direitos são atribuídos em detrimento de quem?)
2) Por que o homem pode andar sem camisa e a mulher não?
Argumento piada: Pelo mesmo motivo que a mulher tocar no
peito do homem é normal e o homem tocar no peito da mulher é assédio.
E sabe qual o motivo de o homem tocar no peito da mulher ser
considerado um assédio? O machismo, que coloca o homem como sujeito a seus
instintos sexuais a ponto de se excitar ao ver ou tocar o peito da mulher. A
cultura incentiva que os homens vejam os seios como fonte de excitação, tanto é
que, no ato sexual, uma das ações frequentes do homem é a de apertar os seios
da mulher – mesmo que isso não a excite.
3) Por que as feministas não lutam pelo fim do serviço militar
obrigatório?
Argumento piada: Elas não querem, realmente, a igualdade de
gêneros, apenas o que é conveniente para elas.
O nome “feminismo” implica o gênero feminino como
protagonista. Não significa colocar o gênero feminino acima do masculino,
significa apenas FOCAR nas lutas enfrentadas pelas mulheres. Não significa,
também, que um homem não possa ser feminista, mas que ele não tem o direito de
ser o protagonista nesse caso.
Se os homens decidirem lutar pelo fim do serviço militar
obrigatório, é certo que serão apoiados por algumas correntes feministas. Mas
são os homens que devem ser os protagonistas dessa luta.
(Se você usa esse argumento para rebaixar o feminismo, mas é
a favor de uma intervenção militar no Brasil, você tem um problema sério de dissonância
cognitiva.)
4) Por que as feministas tratam todos os homens como
estupradores em potencial?
Argumento piada: Nem todo homem é assim. Eu, por exemplo,
sou diferente.
Sim, sabemos que nem todo homem é um estuprador e, de fato,
estatisticamente, estupradores nem formam a maioria da população masculina. Não
é o feminismo que prega que todos os homens são perigosos; há, contudo, uma
reação para uma construção do machismo.
É o machismo que impõe ao homem o sentimento de uma
necessidade de ser viril e predatório (leia-se, “pegador”). Esse mesmo machismo justifica a libido e a
agressividade masculinas como se elas fossem incontroláveis, ou seja, como se o
homem fosse incapaz de controlar seus instintos.
A mulher que se incomoda com as cantadas na rua o faz, não
porque não sabe receber elogios, mas porque está inserida em uma cultura na
qual o homem é visto como escravo dos próprios instintos sexuais enquanto a
mulher deveria estar prontamente disposta a atender seus desejos – ou seja, se
ele a aborda na rua, é porque tem objetivos definidos que estão além do simples
elogio; ele o faz para se provar como “macho”, para tentar “levar mais uma para
a cama”. Estamos inseridos numa mesma cultura. Você pode até ser diferente, mas
se você passa uma cantada para uma mulher na rua, você se sujeita a ser
julgado, pela mulher, a partir da sua atitude.
Se uma mulher se depara com você, homem que ela não conhece, em uma
rua deserta, à noite, ela não vai esperar você se aproximar dela para dizer que
você é diferente. Espero que você compreenda isso.
Outras observações importantes:
Há, sim, objetificação do homem pela mulher. No entanto, ela
acontece em uma escala bem menor. A meu ver, é exatamente a cultura de
objetificação da mulher que abre espaço para que o homem também seja
objetificado.
Existem homens em situação de vítimas da violência doméstica
também. Mas, segundo as regras do machismo, esse homem só é vítima porque não é
“macho o suficiente”. E isso faz com que o homem nessa situação sinta vergonha
de procurar ajuda.
Existem homens que são estuprados. Novamente, a vergonha faz
com que não procurem ajuda. Essas situações não são provocadas pelo feminismo,
mas há pessoas que acreditam que o movimento deva lutar contra elas... Ora,
então a luta contra o machismo não seria uma luta contra essas
questões também?
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Para quem ainda discorda do que eu disse aqui, sugiro a leitura de DADOS CONCRETOS que ilustram como ainda existe a desigualdade de gêneros e como certas construções machistas vêm prejudicando as mulheres ao longo da história:
- Plan Brasil - Relatórios "Por ser menina"
- Quanto custa a violência sexual contra meninas?
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