Pessoas transgênero estão sujeitas à violência desde muito
cedo, tendo sua identidade de gênero deslegitimada por um discurso que
essencializa a aparência dos genitais, logo no nascimento. Assim, pressupõe-se
que nosso gênero deva estar de acordo com o suposto “sexo biológico” – digo suposto
pois essa determinação é feita pelo médico baseada somente na existência de
pênis ou vagina.
Essa determinação, aparentemente simples, é o primeiro ato
de constrição das identidades de gênero, o qual será reforçado por atitudes
subsequentes que incluem a adoção de códigos de vestuário e comportamento – o
conjunto dos códigos adotados indica a expressão de gênero que se espera do
indivíduo com identidade de gênero masculina ou feminina.
Das meninas é esperada uma série de atitudes e preferências que
as diferenciem dos meninos e vice-versa. Essas expectativas são plantadas logo
que se descobre a gravidez: o feto mais agitado só pode ser um menino; no
ultrassom, a imagem de um pênis avantajado é sinal de que ele será um “macho de
verdade”.
Desde muito nova a criança cujo comportamento (ou seja, cuja
expressão de gênero) não aparenta estar de acordo com o gênero que lhe foi
designado é constantemente perseguida, pressionada, forçada a se “normalizar”.
Trata-se de uma violência simbólica – não rara acompanhada de violência física –
que possivelmente afetará o indivíduo pelo resto de sua vida.
A perseguição, de fato, não é exercida apenas pela família.
Ela vem de frentes diversas, que incluem os amigos, a escola (logo no jardim de
infância), a igreja, os vizinhos e vão continuar no trabalho, na faculdade, nas
instituições de saúde, na política e assim por diante.
Essa pressão intensa pela adequação, somada aos discursos de
exclusão e de negação da legitimidade da condição transgênero leva essas
pessoas a internalizarem a discriminação. Elas passam a desprezar-se como a
sociedade as despreza, a sentir vergonha de si mesmas e “dos problemas que
causam” (por resistirem à adequação) – afinal, a culpa não é, nunca, da
sociedade, mas dos “anormais”.
Dessa forma, o suicídio acaba sendo encarado, pelas pessoas
trans, como uma saída de um mundo em que elas não se encaixam, numa sociedade
que é incapaz de aceita-las como elas são.
Quando se matou, em dezembro de 2014, Leelah Alcorn, de 17
anos, deixou uma mensagem em seu Tumblr,
dizendo: “A vida que eu teria vivido não valia a pena ser vivida... porque eu
sou transgênero”.
Esse sentimento traz alguma compreensão às estatísticas de
pesquisa publicada em janeiro de 2014 pelo Instituto Williams de Los Angeles,
que revela que 41% das pessoas trans entrevistadas já tentou cometer suicídio
em algum ponto da vida – em comparação a 20% de gays, lésbicas e bissexuais e 4,6% da população geral. Em outra pesquisa, feita em Ontário, no Canadá, 35% das
pessoas trans entrevistadas relataram ter pensado em suicídio em 2014 e 11%
chegou a tentar se matar.
No Brasil ainda não há uma pesquisa formal realizada entre pessoas transgênero, mas, infelizmente, suponho que os números apresentem uma mesma realidade. Entre jovens LGBTTA+, o desejo de se matar não parece ser um relato pouco frequente – na verdade, o que impede de haver mais pesquisas sobre o tema é sua condição de tabu.
Pouco tempo depois da morte de Leelah, em fevereiro de 2015,
Ash Haffner, um garoto trans de 16 anos, também cometeu suicídio jogando-se na
frente de um veículo – a mesma maneira como Leelah tirou sua vida.
A mãe de Ash, por sua vez, insiste em trata-lo no feminino em declarações à TV, dizendo que o bullying foi a causa do suicídio “de sua filha”.
Neste outubro de 2015, Ashley Hallstrom, de 26 anos, também se jogou na frente de um caminhão em uma estrada movimentada. De acordo com a página Planet Transgender, ela é a 20ª pessoa trans nos Estados Unidos a cometer suicídio em 2015.
O estudo canadense publicado em junho de 2015 (sobre o qual falei anteriormente), realizado entre habitantes da cidade de Ontário, é um dos primeiros a considerar fatores que podem intervir nos riscos de suicídio das pessoas transgênero e as conclusões são bem claras: apoio social, redução da transfobia e o acesso a documentos retificados de acordo com a identidade de gênero são fatores associados a grande redução relativa ou até absoluta dos riscos de suicídio, bem como o acesso à terapia hormonal e às cirurgias que a pessoa julgar necessárias. Além do mais, o apoio dos pais foi bastante associado à redução do pensamento de suicídio entre as pessoas, juntamente com a auto-aceitação.
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