Desta vez não
se tratou de uma encenação. Viviany Beleboni foi agredida ao ser reconhecida na
rua por um sujeito que, segundo ela relatou em vídeo, disse que ela não era
Deus e tentou esfaqueá-la.
O fanatismo
demonstrado por muitos, desde que a transexual apareceu crucificada em um carro
na Parada do Orgulho LGBT de São Paulo em junho deste ano, é preocupante porque
demonstra uma falta de senso crítico atrelada a uma idolatria cega à religião.
Foi esse mesmo fanatismo que levou à agressão de um grupo de candomblecistas,
em que Kailane Santos, de apenas 11 anos de idade, foi atingida na cabeça por
uma pedra jogada pelos intolerantes.
Ávidos em
criticar a heresia alheia, indivíduos que cometem tais atos parecem não ter
noção de que estão, eles mesmos, indo de encontro aos ensinamentos bíblicos que
dizem seguir com tanta devoção (já falei sobre o oportunismo e moralismo desses líderes religiosos e seus seguidores aqui e aqui também).
Sua religião,
em vez de torna-los pessoas compreensivas, que pregam o amor e são empáticas ao
sofrimento das minorias, os leva a crer que o “outro” – aquele de quem deveriam
ter piedade e com o qual deveriam ser, no mínimo, tolerantes – deve ser prontamente
eliminado. Trata-se da aceitação de um autoritarismo que usa a religião como
justificativa para o cumprimento de seus interesses.
Enquanto os que
creem nos ensinamentos de seus respectivos chefes religiosos se esforçam para
cumprir cada uma de suas ordens, os sujeitos excluídos sentem o medo constante
de serem perseguidos como resultado desse cumprimento. Em um estado cego ou de
transe para com a “arrebatação” que é pregada nesses templos – cuidadosamente ambientados
para que cada sujeito ali presente seja contagiado com o “poder da glória” em
toda parte de seu corpo – o público não é capaz de perceber que seus gritos e
clamores satisfazem o desejo de uma pessoa – do pastor, do pregador – e não do
Senhor que tem seu nome apropriado.
Com essa
perseguição do diferente, do “inimigo”, do bode expiatório que dessa vez
assumiu a forma de Viviany Beleboni encenando a crucificação, fieis acreditam
estar sendo bons seguidores, bons soldados.
Como se não
bastasse, o medo de Viviany soma-se à descrença em uma polícia que nada fará
para a proteger. Pelo contrário, a tratarão como culpada por seu ataque, como
provocadora da ira de intolerantes, sendo a própria instituição policial
incapaz de respeitar uma pessoa que não está de acordo com a matriz de
inteligibilidade em que vivem.
A fala de
Beleboni evidencia esse despreparo policial ao qual temos de nos sujeitar e a
frustração de não poder ter esperança alguma de que a justiça seja feita: “Vai à delegacia? Para quê? Para
me tratarem que nem um homem lá? Para rirem da tua cara e não dar em porra
nenhuma?”
Enquanto às
pessoas trans são negados os direitos mais básicos, aos conservadores a
satisfação parece vir na forma de um congresso recheado pelos religiosos
fundamentalistas que querem fazer de sua religião uma fundamentação para governar,
passando por cima do princípio da laicidade do Estado e colocando sua fé
evangélica acima de todas as outras. E, vale a pena repetir, o que usam de
fundamento são suas próprias convicções e interesses mascarados de preceitos
bíblicos, não os ensinamentos de Deus.
Do lado
daqueles que se recusam a dialogar e a tentar compreender o que levou Viviany a
se expor, crucificada, o ódio permanece o mesmo. Ao que parece, não interessa
que ela tenha realizado essa performance para chamar a atenção para um sério
problema do país que é a extrema violência a que pessoas LGBT, principalmente
travestis, enfrentam diariamente; interessa que Jesus não pode ser representado
por uma mulher trans em uma Parada do Orgulho LGBT, pois se trata de um
exagero, de uma heresia, de uma provocação. Mas quando religiosos usam a imagem
de Jesus por motivos mercadológicos, tudo bem. E quando usam o nome de Deus para esfaquear outro ser humano, tornam-se até heróis.
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