quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Direitos humanos são só para humanos direitos?

(tirinha de André Dahmer)

Moro num país tropical, ungido pelo Senhor, bonito por natureza, mas poluído e desmatado, enfrentando plena crise hídrica. Em fevereiro, o carnaval vem com mais casos de abuso sexual, muitos não relatados. Vivo num país em que não confiamos nos governantes e temos medo da polícia.

Não temos quem nos proteja da violência. Desconfiamos da honestidade. Não entendemos de economia, nem de política. Nossa ignorância, muitas vezes, é voluntária – ou paga. Só enxergamos a corrupção e o erro do outro. Aqui ganha quem grita mais. Mas ainda temos heróis, na TV.
A palavra de ordem é “intolerância”. Não se tolera o diferente porque é ele o culpado de todos os problemas. É ele que incomoda, a minoria.

Ainda não chegamos a um acordo sobre o que seria a liberdade de expressão. Apenas sabemos que é seguro vestir a máscara da opinião, ainda que ela represente uma violação dos direitos do outro.

Na madrugada de 20 de junho de 2015, Laura Vermont, de 18 anos, foi agredida por cinco homens. Estava a pé, depois de ter sido colocada para fora de um carro – segundo relatos, ela e outra amiga haviam brigado com o casal que estava no carro e Laura puxou um estilete. Podemos dizer, sim, que Laura não era inocente. Deve ter perdido sua inocência muito cedo, essa é a verdade.

O que aconteceu na Avenida Nordestina, zona leste de São Paulo, não teve relação com a briga no carro. Não sabemos se foi Laura quem primeiro deu atenção aos sujeitos que a espancaram. Ou se apenas respondeu a provocações.

Como a maior parte das travestis, Laura se prostituía. Era mais uma que a sociedade deixara sem saída, sem escolhas. Aprendeu a sobreviver e a se defender como podia. Afinal, soube desde cedo que não teria seus direitos garantidos pelo Estado, e que não teria a proteção policial nem a segurança a qual sujeitos têm direito. Ela não era sujeito, era abjeto, habitava uma zona de exclusão que a sociedade se recusa a legitimar e a abrigar.

Não à toa, Laura foi assassinada por Policiais Militares. Estes podem exercer a violência de forma legalizada e têm o aplauso de uma multidão toda vez que rasgam as páginas da Constituição Federal em que é assegurado o direito à vida; são congratulados sempre que ignoram a existência de uma Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A ação tão exemplar e eficiente da PM, inclusive, inspira as pessoas de bem, corretas, a agirem para ajudar no combate ao crime. Agora, deixam marginais amarrados a postes como uma forma de ajudar à justiça. Aliás, não somente ajudam, como também substituem o papel do judiciário; julgam por si mesmos. Pisam em Mateus 7:1, mas por uma boa causa.



A parcialidade do povo se revela justamente na ideia propagada de que apenas os “cidadãos de bem” têm direito à dignidade. Prezam pelo seu interesse sem querer admitir seus privilégios. O cidadão de bem não quer ouvir argumentos, não precisa deles, pois tem suas frases prontas, cunhadas para a repetição; é assim que ganha discussões no grito. Para o cidadão de bem, "bandido bom é bandido morto", porque faltaram "umas boas porradas quando era moleque" e agora que virou ladrão, não tem mais o que fazer. Para o cidadão de bem, "todo traveco só quer caçar confusão", porque "se tivesse apanhado quando era criança não tinha virado viadinho". 

O cidadão de bem está sempre alerta. Está sempre querendo reparar problemas na sociedade. Ele está disposto a usar força necessária para tal. Ele bate em panela e em professor com a mesma intensidade. Ele enxerga na força policial a salvação da família tradicional. E no deputado/pastor a sustentação de seus interesses. E os políticos/pastores já ocupam alguns cargos no executivo também, quem sabe um dia chegam a presidência. O cidadão de bem bate palma pra terceirização. E para o confisco da previdência.
Entre os ídolos do cidadão de bem está Jair Bolsonaro, defensor de que gays demonstrando afeto publicamente sejam espancados, praticante de nepotismo de longa data, acusado nos idos de 1987 de planejar explodir várias bombas na Vila Militar de Agulhas Negras.


 Nessas circunstâncias, eu tiro apenas uma conclusão: ainda bem que não estou do lado do bem.

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