quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Disciplina excessiva e suicídio: o que não falam sobre o Japão


Quando falamos em benefícios da disciplina, frequentemente usamos o Japão como exemplo a ser seguido. O país cultua uma imagem de organização e eficiência que desperta a admiração de todo o mundo e povoa os desejos dos mais conservadores, que sonham com uma sociedade igualmente disciplinada e organizada.

No entanto, a cultura japonesa é muito mais complexa do que nosso senso comum é levado a crer e, por trás dessa perfeita disciplina há fatores extremamente sérios envolvendo, inclusive, um número alto de suicídios até mesmo entre crianças.

Entre os anos de 1973 e 2012, mais de 18 mil crianças cometeram suicídio; em 2014, essa foi considerada a primeira causa de morte entre os jovens de 10 a 19 anos de idade. Os períodos em que a taxa é mais alta são durante a volta às aulas.

Nas escolas japonesas, não há espaço para individualidade e criatividade; desde muito pequenas as crianças começam a aprender matérias como inglês e matemática, além de assistirem aulas extras para conseguirem entrar nas melhores instituições. A competitividade que pressiona os alunos e requer dedicação estrema leva também ao bullying que é, por vezes, encorajado pelo comportamento dos professores ao punirem os alunos

Há jardins de infância - mais rígidos, considerados os melhores - em que os uniformes das crianças consistem apenas de shorts, sem camisa ou blusa que aqueçam os pequenos alunos durante o frio, uma forma de os tornarem resistentes ao clima gelado. É comum, por exemplo, que estudantes assistam aulas até meia-noite já no primeiro ano na escola.

Em sua maioria, pedagogos japoneses não acreditam que uma criança possa ser criativa, apenas espontânea e qualquer excentricidade deve ser desencorajada. O sistema de ensino autoritário acaba por suprimir as emoções dos alunos, não interessa o quão jovens sejam. Assim, o bullying passa despercebido simplesmente porque estudantes não devem relatá-lo, mas aprender a conviver com ele. Ademais, não existem políticas educacionais para inclusão de autistas ou indivíduos com dificuldades de aprendizagem.

O que se observa, em suma, é que a disciplina que consideramos exemplar é obtida às custas da própria humanidade das pessoas desde pequenas. A importância de se manter as aparências faz com que seja condenável falar o que se pensa; a separação da vida íntima e pessoal da vida social deve ser preservada por todos. Em casa, os filhos têm pouco contato com os pais, que se tornam workaholics - em função da competitividade - e se deparam com as exigências das mães para que sejam também bem sucedidos.

Outra consequência do sistema educacional japonês é o aumento da violência cometida por jovens que, devido à pressão, tornam-se agressivos. O número de adolescentes que, transtornados, recorrem a crimes violentos como forma de reagir contra o sistema vem aumentando desde 2002 e, em resposta, estima-se que cerca de 1 milhão de jovens vivam reclusos em suas casas. Eles o fazem por exigência da própria família, envergonhada pelo filho incapaz de ser bem sucedido; outros, acreditando terem falhado em seu dever para com a sociedade, seja por não apresentarem um bom desempenho na escola ou por não conseguirem um bom emprego, entram em reclusão ainda na adolescência por vontade própria - são os chamados "hikkikomori".

As estatísticas têm alarmado o governo japonês, que busca formas de reinventar sua cultura educacional com medidas como o fim das aulas aos sábados ou a redução das notas exigidas nas universidades.

Quando uma pessoa defende uma educação regida por militares, mirando-se no exemplo japonês, ela não leva em conta especificamente o fator humano e a que custo se mantém uma cultura disciplinar. Nesse tipo de sistema um ensino bem sucedido depende de um adestramento que ignora por completo as subjetividades - e essas pessoas vão tentar dar vazão a essas necessidades subjetivas de outras formas, o que pode ter um efeito negativo na sociedade como um todo.

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