Em Porto de Sauípe, litoral norte da Bahia, um pastor evangélico colocou, do lado de fora da igreja que dirige, mensagens condenando a homossexualidade, as quais estariam contidas na Bíblia. Na faixa, atribuída a Levítico 20:13, lê-se "Se um homem tiver relacionamento com outro homem, os dois deverão ser mortos por causa desse ato nojento; eles serão responsáveis pela sua própria morte". Há ainda uma outra placa, apoiada no chão, em que está escrito "Você é livre para fazer suas escolhas, mas não é livre para escolher as consequências".
A igreja, que pertence à Congregação Batista Bíblica Salém, foi denunciada ao Ministério Público da Bahia, por conta da mensagem endossada pelo pastor. Segundo a promotora e coordenadora do Centro de Apoio aos Direitos Humanos do MP-BA, Márcia Teixeira, será feita apuração do caso, a fim de se analisar a possibilidade de uma abertura de inquérito civil contra a instituição.
A promotora afirma que estimular a violência é um crime previsto no Código Penal (Artigo 286), apesar de o pastor Milton França insistir que "não tem lei que tire essa placa daí".
O posicionamento do pastor mostra como líderes religiosos usam os ensinamentos bíblicos de maneira desonesta para justificar suas atitudes discriminatórias. Os recortes e as interpretações direcionadas, supervalorizando determinados trechos, servem a esses fundamentalistas como formas eficientes de controle dos fieis.
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Uma busca na internet pelo trecho copiado pelo pastor Milton França, oferece uma outra tradução, de significado semelhante:
Quando também um homem se deitar com outro homem, como com mulher, ambos fizeram abominação; certamente morrerão; o seu sangue será sobre eles.Levítico 20:13-13O livro do Levítico tem um contexto bastante específico, por relatar o sistema de leis que Moisés transmitiu ao povo de Israel, tendo as recebido de Deus. Nele constam sacrifícios, ofertas, pecados, regras morais, comportamentais e de alimentação, religiosas e festivas que governariam o povo. Sendo assim, normas como reservar os sábados, não consumir nenhuma comida que tenha sido guardada há três dias ou mais, não oprimir, não roubar, não mentir, não guardar ira contra o próximo, não misturar sementes ao semear, não usar roupas com tecidos misturados, não praticar adultério e assim por diante.
É importante levar em consideração que A Bíblia, como texto, foi produzida em um determinado período e não está isenta de um contexto. Soma-se a isso a questão linguística: ela foi escrita em três idiomas diferentes, aramaico, hebraico e grego, tendo ainda vocábulos emprestados do latim. Segundo o Reverendo Márcio Retamero (no documentário "Bíblia e homossexualidade: exegese e hermenêutica", de 2012), o Antigo Testamento foi escrito em hebraico e o Novo Testamento em grego, sendo que a geração de Santo Agostinho fazia a leitura da Bíblia em grego – idioma no qual o próprio Agostinho revelou em seus textos ter dificuldade. Foi Agostinho, especificamente, quem passou a associar o termo "sodomita" a indivíduos que praticassem atos sexuais "não naturais" (além do sexo anal, isso incluiria também sexo oral ou qualquer outro ato que não fosse a penetração "tradicional").
O fundamentalismo religioso, linha de pensamento seguida por muitas igrejas evangélicas no Brasil, é um fenômeno recente, da
segunda metade do século XX, que emergiu nos Estados Unidos em reação ao método
histórico-crítico de leitura da Bíblia. A proposta de retorno aos fundamentos das
escrituras fundamenta-se em uma leitura literal, contudo, essa interpretação
parece só se aplicar a trechos deliberadamente escolhidos, ao passo que outras
passagens são analisadas de maneira contextual.
Curiosamente, o trecho em questão condena o ato entre homens, mas nem sequer menciona mulheres - ou seja, a abominação não se estende às lésbicas. Uma justificativa para o estabelecimento dessa regra em específico, seria o fato de relações sexuais entre homens fazerem parte de rituais pagãos - quando uma mulher não engravidava, ela seria considerada a primeira responsável por sua falta de fertilidade e, como tratamento, deveria manter relações com o sacerdote; no caso de o ritual não funcionar, isso indicaria que o homem, e não a mulher, teria problemas de fertilidade e, por esse motivo, ele então deveria ter uma relação sexual com o sacerdote.
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