terça-feira, 5 de agosto de 2014

Para esclarecer: abjeção e abjeto


Há um tempo eu decidi mudar o nome do blog por motivos diversos. O primeiro é que "Tattoos Inacreditáveis", além de soar sensacionalista - e bobo, convenhamos -, é um pouco limitador e desde o início não tratei só de tatuagem por aqui. Segundo, porque eu estava escrevendo para a página Tattoo Tatuagem, temporariamente fora do ar, que acabava não apenas tomando a maior parte do meu tempo, mas também esgotando todas as possibilidades de matérias sobre tatuagem que me fossem interessantes - e, no final das contas, não "sobrava" nada para postar aqui.

Por último, eu venho me apegando cada vez mais à palavra "abjeção", um termo de definição pouco precisa, mas que, em resumo, designa tudo o que pode ser uma ameaça, uma provocação ao bom funcionamento da ordem social e política, fazendo com que o ser humano se depare com lados de sua humanidade que não lhe costumam ser convenientes. Julia Kristeva, responsável por ter cunhado o termo em 1982, descreve o abjeto como o que perturba a identidade, o sistema, a ordem, ameaçando essa visão de suposta pureza que delineia o social e que abala as estruturas que, na maioria das vezes, damos por certas e firmes.

Fazendo uma auto-citação, em um artigo meu publicado na revista acadêmica Artefactum (link aqui), eu tento explicar melhor a complexidade do que é o abjeto:
O conceito de "abjeto" foi elaborado por Julia Kristeva (1982), como o que está num lugar de colapso do significado, sem deixar, no entanto, de desafiá-lo constantemente. Revelando o humano sem chegar a sê-lo, o abjeto encontra-se estranhamente próximo, mas não pode ser propriamente assimilado. O exemplo máximo do abjeto seria o cadáver (Kristeva, 1982): um corpo que, sem vida, deixa de "ser sujeito", mas ainda revela traços e elementos humanos em suas feições inertes. A falta de movimento, a falta de vida em si, os fluídos, as secreções e o odor sendo expelidos, por meio das reações químicas que ainda ocorrem, levam o observador de um cadáver a perceber aquilo que é constantemente impelido a deixar de lado: a própria morte. O cadáver não é mais humano, mas exibe um futuro inerente ao ser que ainda vive. 
Para Kristeva (Op. cit.), o que causa abjeção é o que "perturba a identidade, o sistema, a ordem. O que não respeita fronteiras, posições, regras. O entre-meio, o ambíguo, o múltiplo" (p. 4). [...]

Enfim, são sobre essas formas de se desafiar a sociedade e o humano "puros" que eu venho tratando aqui no blog e quero mostrar abjeções ainda mais amplas que nos ajudem a lembrar que não somos todos iguais, não somos todos "o mesmo"; somos diferentes e únicos e o limite que nos é imposto pela sociedade pode ser rompido, justamente porque ele é apenas isso: uma imposição.
 
[Na foto, o artista visual Ryan Burke.]