quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Sobre Reinaldo Azevedo e Laerte

Mais uma vez, Reinaldo Azevedo prova que não entendeu nada.
Usando de uma “argumentação” recheada de insultos e ofensas pessoais, ele demonstra não estar disposto a diálogo algum, uma vez que qualquer ideia que discorde da sua é “estupidez”.
Em sua coluna, no dia 24 de agosto, começou a série de insultos disfarçadas de argumentação com uma charge de Laerte. 


Nela, a cartunista sugere como a recente manifestação pedindo o impeachment de Dilma estava permeada por hipocrisias e falsas simetrias, na imagem de “cidadãos de bem” que, entre selfies com a Polícia Militar e discursos esdrúxulos, não raro pediam uma intervenção militar para “salvar o país”.

Um panorama interessante dos protestos poder ser visto no vídeo abaixo:


Por alguma ironia do destino, membros dessa mesma PM são suspeitos de ter cometido uma chacina em Osasco – e, creem alguns, fazerem parte de mais um grupo de extermínio (sabemos, não é o primeiro na história da PM). E o que está na tirinha é justamente a representação dessa ironia.

Diga-se de passagem, a ação da PM em Minas Gerais, em protesto deflagrado apenas alguns dias antes das manifestações contra o governo, foi bastante diferente: uma amostra de como a polícia trata cidadãos de categorias “inferiores”.

Ademais, interpreto a charge de Laerte como uma analogia ao trabalho da Polícia Militar como instituição violenta e nada humanizada, cujo histórico de atuação incita mais medo que sensação de segurança na população, principalmente em se tratando do cidadão negro e morador de periferia. Para quem se interessa por conhecer o que está por trás da ação dessa instituição tão estimada por Azevedo, sugiro a leitura de uma recente entrevista concedida por um ex-policial militar condenado por crimes que cometeu, em parceria com colegas de trabalho, enquanto integrava a PM.


Reinaldo Azevedo discorda desse ponto de vista que partilho com Laerte, mas para demonstrar o quão contrário é a essa perspectiva, chama a cartunista de “baranga”, “horrenda”, “detestável”, “farsante”, entre outras coisas.

Traz para a discussão, ainda, a expressão de gênero de Laerte, relacionando-a com sua visão política.
Quando, em 2012, a presença de Laerte no banheiro feminino de um estabelecimento incomodou uma mulher, a velha problemática da não diferenciação entre gênero e sexualidade e o determinismo biológico, como sempre, foram usadas como justificativas para mostrar o “erro” da cartunista.

Nesse caso, Laerte questionou: “Como é que elas se sentiriam com uma lésbica dentro do banheiro?”. Ora, a pertinência dessa pergunta vem do fato de que sua expressão feminina não dita sua sexualidade e que a preocupação com a presença de “mulheres não biológicas” no banheiro é normalmente motivada por associações com a sexualidade. 

Quando a pessoa acha errado que “um homem vestido de mulher” frequente o banheiro feminino seu medo é fundado na possibilidade desse “homem” tirar proveito das mulheres que estão no recinto. No entanto, uma lésbica também teria a oportunidade de tirar proveito da situação, tal como “um homem vestido de mulher” que sente atração por mulheres.

O que Reinaldo falha em perceber é que o reconhecimento da identidade de gênero vem da necessidade de aceitação social das pessoas trans, uma vez que a presença de um indivíduo transgênero tanto no banheiro masculino como no feminino causaria desconforto e polêmica. O mínimo que se pode fazer a esse respeito é reconhecer que a pessoa transgênero tem o direito de usar o banheiro de acordo com sua expressão de gênero. 

Se Reinaldo diz, ironizando, que para Laerte, o fato de “querer” alguma coisa transforma isso num direito, o contrário também pode ser dito: o fato de Reinaldo “não querer” alguma coisa parece transformar isso, para ele, numa falta de direito do outro.

Independente da crença de Reinaldo no determinismo biológico que se utiliza unicamente dos genitais para identificar o gênero de uma pessoa, não podemos nos esquecer de que a transgeneridade existe e que sua crescente visibilidade demonstra a necessidade de reconhecimento e validação social – e para os mais apegados à biologia, há uma série de estudos que comprovam, biologicamente, a condição dessas pessoas.

Do alto de sua adequação à heteronormatividade conservadora, Reinaldo comete as mesmas generalizações que criticou Laerte por cometer – com a grande diferença de que essa generalização, usada para efeitos humorísticos, leva à reflexão e não se gaba de ser detentora da verdade. Fosse uma generalização feita em charge para criticar pessoas com tendências esquerdistas que apoiam Dilma, certamente Reinaldo aplaudiria.

Sabiamente, Laerte usou do humor como resposta às provocações do colunista conservador e obteve uma réplica um tanto quanto “sem graça” – afinal, Reinaldo é desses que faz questão de dar a última palavra, nem que seja para pedir o fim do debate.