terça-feira, 2 de agosto de 2016

Quem é Biel? (ou "Precisamos rever nossa idolatria")



Eu nem sabia quem era esse garoto até surgir a notícia do assédio que ele cometeu e - maldita a minha curiosidade! - fui ao YouTube descobrir se conhecia algo dele. Honestamente, preferia não ter conhecido. Trata-se de um cara malhado que dizem ser parecido com o Justin Bieber, mas com uma voz infinitamente mais irritante e sem qualquer conhecimento musical (algo que, no caso de Bieber, justifica que ele se mantenha até hoje produzindo e evoluindo).

Por um lado, é bom saber que ele não vai durar muito e em pouco tempo não mais nos lembraremos dele. Por outro lado, ele é só mais um entre tantos artistas que cometem assédio em diferentes níveis e, ainda assim, quando sua atitude se repercute, acham-se no direito de se colocar como prejudicados. Biel é só mais um a reforçar a cultura do estupro e a reproduzir discursos preconceituosos e nojentos na mídia, sem sofrer represália alguma.

Hoje, repercutiram postagens que o "cantor" fez no Twitter, algumas delas já deletadas, provavelmente por aconselhamento da equipe que o acompanha. O que as postagens revelam é mais um garoto privilegiado que vê graça em discriminar e falar merda e que, conforme atestou o Huffington Post Brasil, não vai mudar, afinal, não lhe convém.

Ao lado de Biel, está uma quantidade imensurável de jovens que não enxergam as opressões que não sofrem e acham normal uma cultura de violência propagada principalmente pelo bullying. Uma lista de 10 motivos para não odiar o artista, feita por uma fã, serve como exemplo disso:

1. "Ele é gostoso, então merece ter tudo que tem e ter a mulher que quiser."
Obviamente, a primeira razão está em sua estética: se ele está dentro dos padrões estabelecidos para que um homem seja considerado atraente, ele tem privilégios. Soma-se a isso a ideia de que mulheres estariam apenas interessadas em homens malhados como ele e é impossível que não se sintam atraídas.
2. "Ele é um menino em fase de crescimento e comete erros."
A forma como enxergamos a questão da idade é, até hoje, desigual para homens e mulheres. Com 21 anos, ele é legalmente considerado um adulto e deve sofrer as consequências que um adulto sofreria. Socialmente, de acordo com o senso comum, a adolescência termina aos 18 anos de idade. Ainda socialmente falando, à mulher com 18 anos cabem muito mais responsabilidades e consequências, como se a maturidade fosse exclusiva do gênero feminino pelo menos até os, digamos, os 30 anos de idade.
3. "Ele vem sofrendo racismo brancofóbico".

Não vou comentar isso, né?
4. "Toda mulher gostaria de dar pro Biel e ser cantada por ele."

Eu, particularmente, não gostaria de dar pro Biel e nem de ser cantada por ele, ainda mais com essa vozinha chata e esse jeitinho arrogante. E aposto que encontro pelo menos um milhão de outras mulheres que também não gostariam.
5. "Ele se inspira no Justin. Ambos são percebidos por serem brancos e gostosos."

Se ele se inspirasse no Justin, poderia pelo menos ter aprendido música, ou a cantar. Ninguém é percebido por ser branco, mas por se portar de uma forma mais relacionada à cultura negra, mesmo sendo branco. Eu não gosto do Justin, mas ao menos eu acho que ele tem algumas qualidades. O Biel, não.
6. "Ele é hetero e todos os heteros merecem expressar sua sexualidade."

Expressar sexualidade é diferente de cometer assédio. Todos nós podemos expressar nossa sexualidade, mas não temos o direito de ofender diretamente a outras pessoas enquanto nos expressamos.
7. "Ele sofre preconceito por ser homem, hoje a moda é ser gay."

Também não preciso comentar isso, né?
8. "Ele é humilde e comeria uma mulher, mesmo se ela fosse feia."

Favor procurar no dicionário o conceito de humildade.
9. "Ele gosta de brincar com tudo."

"Brincar" é algo relativo. No humor, o chiste é uma brincadeira ou piada que tem como objetivo atingir a uma pessoa ou grupo específico, normalmente por meio de uma ofensa. Em suma, brincar com algo não significa que o indivíduo não esteja ofendendo, muito pelo contrário, uma estratégia bastante comum é o ato de mascarar a ofensa com a brincadeira, algo que indivíduos preconceituosos fazem com bastante frequência.
10. "Ele só respeita mulheres que se dão o respeito."

"Dar-se ao respeito" é outra questão altamente relativa. A meu ver, no vídeo da entrevista, a jornalista se deu ao respeito e foi bastante profissional, assumindo uma postura descontraída mas, ao mesmo tempo, impondo seus limites - tanto é que negou quando Biel se ofereceu para beijá-la.

A futilidade de cada razão proposta pela fã chega a ser risível, mas é preocupante notar que esses são os valores defendidos por muitos e muitas jovens. Muito provavelmente, isso faz com que sujeitos como o próprio Biel cheguem à fama, mesmo sendo pessoas abertamente desprezíveis. E tudo isso por causa de seu corpo.

Outra questão bastante assustadora é a fixação de Biel pelo estupro. A jornalista relatou que, depois de terminada a entrevista, o "cantor" disse que, se não tivesse que atender outros jornalistas posteriormente, a levaria ao hotel e a "estupraria rapidinho". Em seus posts no Twitter, o termo "estupro" é usado de forma banal.

Em entrevista, o recado de Biel à jornalista assediada reforça o caráter egoísta de alguém que não está acostumado à responsabilidade e procura apontar o outro como causador de efeitos que, na verdade, resultaram de seus próprios erros: “Eu queria primeiro deixá-la ciente do quanto ela prejudicou minha carreira. É um trabalho de anos, não só meu, mas de um grupo empresarial, de uma gravadora”.