terça-feira, 23 de junho de 2015

Sobre novos paradigmas e o medo do desconhecido


O disparate entre as pesquisas e estudos sobre educação na academia e a prática educacional escolar ainda é grande. Obviamente, as razões são muitas e não pretendo enumera-las aqui, mas precisamos tratar de uma questão que acaba por reforçar a estagnação do ensino nas escolas: o medo do desconhecido.

A maioria dos professores que já se formaram há muito tempo têm mais confiança em seus instintos e experiências que em novas "teorias mirabolantes" e propostas que os obriguem a frequentar mais cursos de atualização - principalmente se ministrados por pessoas muito mais novas, afinal, o que eles sabem da vida?! De fato, abrir-se para mudanças não é algo que façamos pronta e facilmente. Devemos estar convencidos de que as mudanças serão positivas e que o esforço de sairmos de nossa zona de conforto poderá ser recompensado de alguma forma.

Na instituição escolar, em que experienciamos o contato social desde pequenos, aprendemos que a adaptação e a uniformização são benéficas para o andamento da organização. Sendo assim, devemos obedecer às regras que nos são colocadas visando a certa harmonia do ambiente. Aqueles que são capazes de obedecer - ou, pelo menos, de se conformar com a maior parte das regras - e "se misturar" passarão despercebidos, como indivíduos médios, "normais". Mas, sabemos, quando normas estão em jogo, há também exceções.

Outra questão importante é que os padrões de anos atrás não são, definitivamente, os padrões de hoje em dia, e a relação entre aluno e professor pode se tornar bastante problemática em se tratando do choque de gerações às quais pertencem. Nesse sentido, a pessoa recém formada pode oferecer novos insights e perspectivas para os educadores mais antigos e, eventualmente, tradicionalistas.

Quando nos colocamos a favor do ensino e discussão de questões de gênero nas escolas, não estamos falando apenas em homossexualidade e acreditar nisso é uma ingenuidade com base em generalizações grosseiras. Não se trata de "estimular homossexualismo [sic] e promiscuidade" e, honestamente, se ainda existem PROFESSORES que pensam assim, há algo de muito errado/atrasado na formação dessas pessoas.

Até hoje as escolas têm medo de tratar de sexo e sexualidade dentro da sala de aula de maneira aberta, fechando os olhos para o fato de que adolescentes (e, às vezes, pré-adolescentes) exercem sua sexualidade independente disso. Então, não interessa se a escola prefere fingir que seus alunos não são sexualmente ativos; o sexo acontece e acontecerá entre jovens tanto heterossexuais quanto homossexuais.

Ao tratar de desigualdades de gênero serão abordados assuntos como sexo consentido vs. forçado, prevenção e tratamento de doenças sexualmente transmissíveis, contracepção, comportamento sexual masculino vs. feminino, pressões sociais exercidas sobre os gêneros, entre tantos outros. A necessidade de falar de tudo isso?! Se você tirar alguns minutos para ler sobre a pesquisa realizada pelo Plan Brazil em 2014, você terá uma dimensão do quanto ainda é real a desigualdade entre gêneros em nossa sociedade, que dá mais liberdades ao gênero masculino desde a infância.
Aliás, tal desigualdade chega a ser ainda mais aterrorizante quando um dos maiores medos que atingem o cotidiano feminino, o estupro, torna-se real dentro da escola, que deveria oferecer proteção a todos.

No que diz respeito às identidades e expressões de gênero, o assunto se torna ainda mais delicado, pois nos é possível observar que muitos professores simplesmente confundem sexo, gênero e sexualidade, a ponto de não saberem lidar com alunos trans e, pior, desrespeitando-os diariamente.
A palavra "bullying" pode ser recente, mas as ofensas a homossexuais, garotos efeminados e pessoas trans dentro da escola é bastante antiga, não raro com o aval de professores - quando não são eles mesmos a fazer piadas.

A igreja, por sua vez, não deveria ter nada com as decisões de planos educacionais, por uma razão única: a escola deve comportar todas as religiões. Usar um argumento baseado em uma crença específica é amplamente discriminatório, além de infundado em termos tanto empíricos como científicos.
O poder que algumas religiões vêm adquirindo é prejudicial para a democracia. Seus líderes excluem do povo a liberdade e o poder de decidir, preferindo a doutrinação cega e o estímulo ao discurso de ódio - vide a agressividade com que religiosos, principalmente evangélicos, vêm tratando o "outro".

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Leituras recomendadas:



Sobre paradas, tensões e representações


O movimento LGBT como o conhecemos hoje tem uma história recente. Nos anos 1950 os grupos criados para advogar a favor dos gays – por muito tempo “gay” vem sendo usado como termo dominante para se referir a todos os LGBTs, uma simplificação um tanto quanto incômoda – se apoiavam em discursos de psicólogos, psiquiatras e sexólogos para deixar claro à sociedade que não podiam fazer nada a respeito de sua homossexualidade. A ideia era a de que a homossexualidade era uma espécie de patologia ou doença, sobre a qual homossexuais não tinham controle algum e da qual não se orgulhavam. Mas à parte desse “desvio”, eram sujeitos normais, que queriam ser aceitos pela sociedade.

O problema desse pensamento estava justamente no fato de não se orgulharem dessa “perversão” incontrolável, da qual, aparentemente, envergonhavam-se. Tinham um desejo de adequação e assimilação tão grandes que pareciam pedir desculpas por sua sexualidade.

Nos Estados Unidos, durante as décadas de 1950 e 60, o sistema legal/judiciário era abertamente contra o comportamento homossexual; à época, todos os estados americanos consideravam crime a “sodomia”, mesmo que o ato fosse consentido entre adultos – à exceção de Ilinois, que descriminalizou a sodomia em 1961.

A rebelião que ocorreu em Stonewall Inn, em Nova Iorque, no ano de 1969, não foi a primeira demonstração de descontentamento por parte de indivíduos LGBT, mas representou um marco na luta pelos direitos da comunidade.

Os últimos anos da década de 1960 viram o surgimento de diversos movimentos sociais, como o African American Civil Rights Movement (lutando pela igualdade de direitos civis para afro-americanos), as manifestações anti-guerra e a contracultura. Nesse espírito, indivíduos LGBT também passaram a lutar por sua legitimidade, recusando-se a permanecerem invisíveis.

O Greenwich Village, em Nova Iorque, era o bairro onde homossexuais e pessoas trans se reuniam à noite e o bar Stonewall Inn, que pertencia à máfia, era conhecido por sua popularidade entre os mais pobres e marginalizados da comunidade gay, como drag queens, transgêneros, jovens homens efeminados, sem-teto e michês. Portanto, era comum que acontecessem batidas policiais de surpresa no local. Mas em 1969 as tensões entre LGBTs e a polícia culminaram em uma série de protestos que se repetiram por várias noites seguidas, ficando conhecidos como Stonewall Riots (ou “Rebelião de Stonewall”).

Drags, crossdressers, transgêneros e gays efeminados participaram ativamente dos levantes. Naquela época, a ideia de transgeneridade não era difundida, e a verdade é que mulheres trans eram confundidas com drag queens - diz a lenda, foram as drag queens as primeiras a resistirem fisicamente à força policial em Stonewall (em entrevista para o documentário Pay it no Mind: Marsha P. Johnson, o escritor David Carter revela que algumas testemunhas oculares lhe contaram ter visto Marsha gritar "Eu tenho meus direitos civis!" e jogar um copo no espelho, dentro do Stonewall Inn, e foi justamente esse o ato a deflagrar os protestos).
Contudo, essas pessoas são hoje, com frequência, deixadas à margem do movimento LGBT, por desafiarem um padrão de “respeitabilidade” estabelecido inclusive para homossexuais, que devem ser “discretos” e permanecer “no armário” socialmente.

Ativistas importantes como Marsha P. Johnson e Sylvia Rivera, que se auto-proclamavam “transvestites” (palavra já obsoleta, usada para designar cross-dressers), usavam o termo “gay” para se referir à comunidade como um todo, de maneira inclusiva, uma vez que a luta de todos e todas, naquela época, focava-se no simples direito de existir e de ter controle sobre o próprio corpo.

Um ano após os motins, em 28 de junho de 1970, aconteceram as primeiras marchas do Orgulho Gay, nas cidades de Nova Iorque, Los Angeles, São Francisco e Chicago, em comemoração aos levantes. Posteriormente, as marchas foram organizadas em outras cidades e se espalharam pelo mundo, acontecendo preferencialmente em junho.

As paradas são um momento de celebração, uma comemoração daquele passo dado por pessoas excluídas da sociedade que eram espancadas e reprimidas por forças policiais simplesmente por estarem na rua. Se nos eventos de hoje as pessoas se beijam e expressam seu amor livremente, é porque foi preciso uma luta física para que isso pudesse acontecer.

No entanto, sempre que ocorrem as paradas sofremos também com o “fogo amigo”. Membros da comunidade LGBT que batem no peito para dizer que a parada não os representa, agarrando-se a argumentos moralistas e que expressam uma vergonha em relação ao movimento “gay” contemporâneo. Criticam a promiscuidade de participantes que vão à parada apenas para “fazer pegação”... Claro, em eventos e celebrações regados a música e álcool, é de se esperar que ocorram excessos. No caso das paradas não seria diferente.

Lembro-me do discurso de Clodovil Hernandez, ainda aplaudido por muitos, afirmando que não tinha orgulho de ser homossexual. Trata-se de um reforço da noção de que a homossexualidade é uma característica negativa do indivíduo; uma posição que sustenta a polarização que determina que ser heterossexual é bom e ser homossexual é ruim. Qualquer semelhança com o discurso dos grupos chamados homófilos, dos anos 1950, não é mera coincidência. Trata-se da ideia de “respeitar para ser respeitado”... um respeito aos outros que passa pela falta de respeito a si mesmo, na verdade, já que depende de uma internalização da vergonha que outros nos fazem sentir.


Não podemos nos esquecer, no entanto, que a demonstração de carinho em público é uma forma de protesto para nós, LGBTs, que ainda afrontamos o sistema com nossa simples existência, como é possível notar pelos discursos conservadores e fundamentalistas que andam se propagando. Não podemos nos dar ao luxo de reprimirmos uns aos outros dentro da comunidade, pois é isso que querem de nós os que são contra nós – a separação dos grupos, a desunião, as tensões.