sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Conservadores e pessoas de direita, precisamos ter uma conversa séria


Antes do feriado do Dia das Crianças, um vídeo em que uma drag queen visitava o Colégio de Aplicação João XXIII, em Juiz de Fora (MG), e conversava com os alunos tornou-se alvo de grande polêmica. A alegação? Que a artista estaria abordando "ideologia de gênero" com as crianças.

No dia 18 de outubro, quarta-feira, duas alunas do 1º ano do Ensino Médio da Univest, instituição de ensino particular em Lages (SC), foram suspensas por criticar um ofício distribuído entre os alunos. Na missiva, lia-se: "Porque NA ESCOLA os professores devem ensinar [lista de matérias escolares][...] E apenas reforçam o que o aluno aprendeu EM CASA! NA ESCOLA NÃO se aprende sobre: 01 - Sexo; 02 - Ideologia de Gênero; 03 - Ativismo LGBT; 04 - Comunismo; 05 - Esquerdismo; 06 - Religião". [Trechos em caixa alta presentes no original. Nota: curiosamente, o ofício não coloca na lista de temas vedados o liberalismo, o capitalismo - polo oposto ao comunismo, sobre o qual aprendemos em História -, nem o machismo. Se o problema é a ideologia, por que não há o banimento de todas?]

Bom, em comum nos dois casos temos a manifestação de indivíduos indignados com a "ideologia de gênero" e a ideia de que o "ativismo LGBT" estaria sendo forçado como doutrina para atingir e influenciar crianças. No acontecimento mais recente fica claro o que não se quer que seja levado às escolas.

Contudo, eu me pergunto: sexo não faz parte do ensino de Biologia? Como é que o/a professor/a irá ensinar sobre o sistema reprodutor e o processo que vai do sexo à fecundação, resultando na gravidez? Como se ensinar que certas práticas sexuais podem ser perigosas para a saúde dos indivíduos e que é preciso tomar precauções para evitar infecções sexualmente transmissíveis?

Quer dizer que, se dentro de casa, a garota que tem a primeira menstruação não é orientada pelos pais por quaisquer motivos que sejam, a escola não pode oferecer informações para que ela aprenda a lidar com seu corpo? E como essa garota saberá que, dali em diante, está sujeita a engravidar, ainda que na primeira transa?

Ademais, como explicar para crianças que certos comportamentos que adultos possam ter para com elas são impróprios e que existe um fenômeno chamado "pedofilia"?

Comunismo não é parte daquilo que aprendemos em História (inclusive para que possamos nos contrapor a essa ideologia), bem como as origens da polarização política entre esquerda e direita? Como explicar aos alunos que o nazismo foi um regime de extrema-direita sem contrapô-lo ao regime da União Soviética? Como abordar a Guerra Fria?

Se, numa instituição de ensino, ocorre apenas o reforço daquilo que a criança aprende em casa, qual o objetivo de essa instituição existir?

Um dos temas centrais a se aprender dentro da disciplina de Sociologia é o das relações entre gêneros dentro de uma sociedade. Porém, se qualquer menção ao termo "gênero" dispara manifestações de pais indignados, como essa temática poderá ser abordada pelo professor?

Obras literárias canônicas abordam múltiplas questões presentes na sociedade e, com frequência, tratam justamente de sexo, de relações de gênero, de crenças religiosas, de posicionamentos políticos, entre outros tantos assuntos. Se o professor de Literatura não pode falar nem em sexo, nem em gênero, isso significa não expor a criança a autores como Machado de Assis e Guimarães Rosa. Shakespeare, também, nem pensar!

Quanto à disciplina de Artes também teremos sérios problemas, pois qualquer panorama básico da história da arte envolve figuras de nudez e, eventualmente, alusões a atos sexuais.

A nível prático, existem diversos problemas comportamentais com os quais os professores irão se deparar - os quais, muitas vezes, não são percebidos pelos pais. Alguns desses problemas envolvem, bem, questões de gênero.

Se numa escola não se pode falar sobre "ideologia de gênero" (expressão pejorativa usada para se referir aos estudos de gênero em geral), como explicar para o menino que passa a mão nas meninas que ele não pode fazer isso sem o consentimento das garotas? Como ensinar aos meninos que eles não devem ser agressivos fisicamente com essas garotas caso elas digam "não" a eles? Como dizer para essas crianças que, se um/a de seus/suas colegas apresenta um comportamento diferente (um garoto afeminado ou uma garota masculinizada), isso não o torna um estranho e não dá o direito à turma de provocá-lo?

Se um pai diz, em casa, que é certo agredir pessoas LGBTs e que elas devem ser assassinadas, a escola deve reforçar esse ponto de vista?

A menos que indivíduos que se posicionem contra a abordagem dessas mesmas temáticas elencadas pela instituição Univest como assuntos que não devem fazer parte do ensino escolar sejam capazes de responder, objetivamente e de maneira embasada, a todos esses questionamentos, não vejo como seria possível manter questões que envolvem sexo, gênero e política fora do processo de ensino e aprendizagem.