terça-feira, 9 de junho de 2015

O que te choca de verdade? - parte 2: as ameaças



Não me choca saber que a trans "crucificada" na Parada Gay está agora sendo, bem, crucificada. Ela relatou estar sofrendo ameaças de morte tanto pelas redes sociais como pelo telefone. E aqueles que a defendem nas redes provavelmente passarão a semana sendo insultados por isso.
Novamente, reina a impulsividade e a desonestidade intelectual do que não está interessado em interpretar o simbolismo colocado em pauta. Trata-se de uma metáfora poderosa para o sofrimento.

Vejo muitos homossexuais defenderem a noção de "respeitar para ser respeitado", que nesse caso denota "respeitar para ser socialmente aprovado". Primeiramente, ainda estou me esforçando para encontrar o desrespeito na imagem de Viviany crucificada... talvez se fosse um homem ali teria causado menos indignação. No entanto, esses mesmos que comentam sobre a necessidade de "respeito" são os primeiros a desrespeitar a própria comunidade LGBT, seja pela resignação à invisibilidade, seja pelo insulto direto ao criticar as "bichas pintosas".


Aliás, esse tipo de "respeito" ao outro me lembra uma das motivações que culminou no protesto em Stonewall, em 1969: à época, nos Estados Unidos, quem não estivesse usando pelo menos três peças de roupa que indicassem seu "gênero correto" (leia-se, seu "sexo biológico) poderia ser preso.

Aos que acreditam em manter a vida privada fora do âmbito político, devemos lembrar que não fomos nós, LGBTs, a trazermos gênero e sexualidade para a esfera pública. A união civil reconhecida juridicamente é um exemplo de que a suposta vida privada há muito se tornou, irremediavelmente, pública - daí a luta LGBT por ter sua união civil também validada pelo Estado.

No que diz respeito ao uso de um símbolo da fé cristã, devemos ter em mente que não há somente UMA fé cristã no mundo, e que essa diversidade de fés é motivo para guerras e crimes. Se um sujeito que acredita na Bíblia é discriminado em seu país por não seguir a fé dominante, estaria ele fazendo chacota ao protestar usando a cruz? Lembremos também que grupos radicais como o Estado Islâmico usam a crucificação como forma de execução até hoje! Nesse sentido, homossexuais podem, ainda, ser fisicamente, literalmente, crucificados.


A performance de Viviany não foi um escárnio, muito pelo contrário, foi extremamente séria. Fosse algo planejado para provocar diretamente aos cristãos, provavelmente adotaria uma estética diferente, no mínimo mais sarcástica.
Ademais, um indivíduo LGBT não seguir uma igreja específica não significa que ele não seja cristão, sem contar aqueles que ainda são católicos praticantes ou que encontraram conforto em outras religiões. Certamente, Viviany não tinha em mente ofender a essas pessoas, que estão ali, lutando ao seu lado.

Sobre muitos evangélicos (admito, não são todos), é preciso dizer ainda que praticam a soberba e ofendem à lei constantemente (mais especificamente ao Artigo 208 do Código Penal), invadindo terreiros e protestando abertamente contra religiões de matriz africana, até mesmo ameaçando de morte aqueles que se recusam a aceitar suas imposições disfarçadas de pregação. E, convenhamos, a bancada evangélica no congresso está repleta de processos e acusações e ainda assim se mantêm como líderes religiosos E políticos - num Estado que, constitucionalmente, é laico. Não é à toa que formam - e fazem questão de nomear - tantos inimigos, uma vez que a cada questionamento de suas ações por outros esse imenso poder é ameaçado.

Sou de uma família católica e, a meu ver, é muito mais desrespeitoso o que usa da simbologia cristã para lucrar ou para adquirir poder sobre outros. E vale a pena repetir: ninguém detém os direitos autorais da Bíblia e os símbolos ali mencionados podem ser usados por todos, como de fato o é.


Outra coisa: não há, em parte alguma da Bíblia, que o homossexual deva ser condenado à morte, simplesmente porque naquela época a homossexualidade, enquanto identidade, não existia. A prática de um homem deitar com outro homem era vista a partir de seu contexto e, por isso, era aceita em alguns casos e condenada em outros, como está explicado no vídeo abaixo.