domingo, 30 de agosto de 2015

De argumentações (ou "Só porque é sua opinião não significa que eu não possa contesta-la")


O poderoso escudo da opinião vem sendo evocado ferozmente nas discussões pela internet afora. Com ares de cartada final, sem precisar levar a cabo qualquer argumento, a derradeira fala –  “É minha opinião!” – surge como encerramento, com sua ilusão de que, ali, foi dado um verdadeiro xeque-mate. Se é a minha opinião, você não tem o direito de contestá-la.

Mas há um problema e, eu diria, até certa ingenuidade por parte de quem lança essa cartada. Afinal, a verdadeira opinião diz respeito ao gosto pessoal, a algo que não pode ser verificado factualmente por ser, bem, opinião. Quando a pessoa faz uma afirmação errada e prontamente a classifica como opinião, o que ela está fazendo é tirar uma conclusão com base em informações limitadas e/ou inverídicas. Em outras palavras: o fato de você achar que é sua opinião não a isenta de estar absolutamente errada no sentido mais primário do termo. E aí, se você se apega a isso como opinião, não significa também que eu deva respeita-lo por isso, nem que eu deva deixar de contestar suas ideias – principalmente se sua própria opinião for desrespeitosa (e, pior ainda, se você repetir o clichê de “respeitar para ser respeitado").

Por exemplo: eu posso defender a abolição de rótulos porque não gosto do uso deles e, portanto, prefiro não usa-los. É minha opinião. Porém, quando eu digo que rótulos não importam, eu estou afirmando um equívoco, uma vez que é verificável o fato de que rótulos não só importam como definem, em nossa sociedade, inclusões e exclusões diversas.

Se eu acredito, equivocadamente, que rótulos não importam – apesar de todas as provas que vão de encontro a essa crença –, eu estaria, além do mais, traindo minha própria fala a partir do momento que eu decidir usar um rótulo. Ora, se o rótulo não importa, então por que eu iria usá-lo? É ainda pior quando, além dessa opinião mal informada, eu opto pelo uso de um rótulo de uma forma que ignora seu conceito e suas implicações sociais.

Um exemplo prático acontece quando eu coloco drag queens e travestis dentro do rótulo de “transexuais”. O fato de eu defender a abolição de rótulos ou de não gostar deles não significa que essa colocação não possa estar errada, além de expor uma clara falta de informação. 

Para quem acompanha a questão LGBT em suas múltiplas faces, estamos testemunhando um embate ferrenho entre ativistas transgênero e drag queens, desde 2013, pela forma como o senso comum vem associando essas categorias de forma negativa e generalizada. Esse tipo de situação é ainda pior quando o erro é cometido por alguém do meio LGBT, como uma pessoa homossexual que se supõe ativista, pois revela, ainda, uma negligência no que diz respeito ao tratamento do assunto.

Se um indivíduo heterossexual defende o uso errado da terminologia, sua conclusão está embasada no erro anterior, propagado pelo indivíduo que deveria ter conhecimento das questões LGBT, mas que, convenientemente, prefere não lhes dar a devida atenção.

Mantendo-me na linha de pensamento da rotulação, acredito que, por mais que ela trabalhe a favor de uma segregação, não se pode negar que, politicamente, há uma necessidade de se definir quem se é. Em outras palavras, para que exponhamos nossas demandas, precisamos, antes, definir quem somos e nossas motivações. Nesse sentido, a separação entre sexualidade e identidade de gênero é feita porque as demandas de homossexuais e bissexuais não são as mesmas de transgêneros, transexuais e travestis. 

A percepção de uma pessoa que se identifica como homossexual certamente não é a mesma de alguém que se identifica como trans, apesar de ambas as identidades se depararem, em suas vidas, com pressões sociais diversas.

Portanto, se eu uso minha visão de homossexual para dizer a uma pessoa trans como eu acho que ela deve se sentir eu estou, novamente, utilizando-me de uma concepção limitada e equivocada para expor uma suposta opinião.


Como Jef Rouner, eu também passo mais tempo discutindo nas redes sociais do que poderia ser saudável mental e fisicamente para mim. Com frequência, o tempo da minha vida que perco em discussões que vão para um caminho literalmente estúpido poderia muito bem ser gasto com textos como este, em que tenho tempo para embasar meu ponto de vista sem ter de me preocupar com uma resposta imediata. 

Obviamente, quando meu ego é ferido a nível pessoal, eu simplesmente me esqueço de minhas motivações e da minha capacidade de ser melhor debatedora, independentemente da minha formação.


Cometo o erro de expor essa formação como validação do meu argumento quando sinto que a cartada da opinião é lançada juntamente a uma tentativa de diminuição do conhecimento ou da personalidade da pessoa. 

Normalmente, não gosto de falar em narrativas pessoais (erro que já cometi demais no passado) nem em posições individuais que não tenham relação com o tema discutido. Ao mesmo tempo, não consigo deixar passar o fato de que, enquanto uns se esforçam continuamente para adquirir conhecimento da maneira como podem, há os que preferem insultar o outro, prontamente, e, não raro, mandar a pessoa “ir estudar” sem que, antes, tenham eles mesmos estudado.