quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Cura gay?


Nos meios religiosos é comum as propagandas falando de palestras oferecidas por pessoas que se intitulam "ex-gay" e "ex-travesti", indivíduos que aparentemente foram "curados" de seus "males". (O caso da Sarah Winter como ex-feminista não se encaixa aqui, ok? Falta de discernimento, algo que ela já demonstrava quando se dizia feminista, é outro tópico...)

Sabemos que na estratégia em que predomina a desonestidade intelectual vale tudo, por isso peço que se atentem às minhas palavras tendo em mente que eu não estou defendendo uma suposta "cura gay". Meu objetivo aqui é o de demonstrar que mudança de comportamento e mudança de orientação do desejo sexual são coisas diferentes e que o primeiro é possível - sem que ocorra o segundo.

No caso da "ex-travesti", essa pessoa provavelmente opta por suprimir sua identidade de gênero - o que, novamente, não significa que ela não se identifique como alguém do "gênero feminino", mas que escolheu não viver de acordo com esse aspecto de sua identidade.

Tomamos nossas decisões com base no que julgamos ser mais importante em nossa vida e isso faz com que cada um assuma suas próprias prioridades. E para muitos, encaixar-se nos padrões de "normalidade" pode ser uma necessidade subjetiva muito maior que poder exercer livremente sua sexualidade. Sendo assim, é possível que um indivíduo se torne "ex-gay" se ele preferir seguir os preceitos da igreja, por exemplo, em detrimento de sua orientação sexual.

O fato de uma pessoa ser "ex-homossexual" não significa que ela não sinta mais o desejo homossexual, mas que ela optou por negar essa parte de sua identidade.

E por falar em identidade, vale lembrar que assumir uma posição identitária é uma atitude política e social - a qual não vai, necessariamente, ditar todos os seus atos. O que quero dizer com isso? Bom, um homem homossexual pode muito bem fazer sexo com uma mulher e se sentir excitado durante a relação. Ele não deixa de ser homossexual por isso, uma vez que politicamente se identifica como tal e vê, no desejo homoafetivo e na necessidade de vivê-lo livremente, uma prioridade para si.

É muito difícil entrar no mérito da "felicidade" quando não damos conta de defini-la conceitualmente - e, particularmente, eu acredito que uma pessoa que decida por se tornar "ex-gay" considera esse caminho o que lhe trará menos sofrimento. Contudo, quando essa mudança lhe é forçada pelos pais ou pela igreja, certamente ela trará ainda mais danos à pessoa, por não lhe respeitar a liberdade de escolha.

Por mais que eu deteste admitir, quando o pastor Silas Malafaia diz que "ninguém nasce homossexual", ele está certo. Mas sua fala ignora (acredito que voluntariamente) que ninguém nasce heterossexual também. Se o pastor realmente se formou em psicologia, ele aprendeu que tanto o desejo homossexual quanto o heterossexual se formam no indivíduo por volta dos 4 ou 5 anos de idade, quando passamos pela fase edipiana. A sexualidade é algo que vai amadurecendo no sujeito e o desenvolvimento sexual ocorre gradativamente, tal e qual os desenvolvimentos físico e emocional.

É, inclusive, curioso como os conservadores lutam tanto para que os filhos não tenham contato com temas que envolvam a sexualidade ao mesmo tempo em que dizem que o sexo entre homem e mulher é algo natural. Afinal, se é algo natural, não seria adequado que falássemos dele para as crianças, então? Se até uma determinada idade não se julga que a criança deva saber sobre sexo e sexualidade, é porque se julga que não existe, até então, formação sexual - logo, não existe objeto de desejo, nem orientação, indicando que essa criança não poderia ser chamada nem de heterossexual nem de homossexual.

Ainda não sabemos ao certo o que causa a homossexualidade, mas já existem estudos demonstrando interessantes especificações biológicas que indicam que não se trata meramente de um comportamento que pode ser aprendido e deixado de lado quando se bem entende.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Nos trending topics, a ignorância escancarada


E eis que esta é a hashtag mais usada no Twitter de brasileiros:

Isso aconteceu em resposta a uma campanha lançada com a hashtag #SouFeministaPq, visando à discussão sobre problemas ainda hoje enfrentados pelas mulheres apenas por serem mulheres. Entre as motivações da luta feminista está o assédio constante sofrido por mulheres na rua - e do qual são culpadas porque "provocam" -, além do fato de que, no Brasil, ocorre 1 estupro a cada 11 minutos.

As mulheres precisaram lutar para ter o direito de votar, delegado ao homem desde sempre (exceto aos pobres), precisaram se manifestar para ter direito à educação e até mesmo para ter o direito de dizer "não" ao marido. Na sociedade vitoriana, por exemplo, a mulher não tinha direito às posses que dividia com o marido nem à guarda dos filhos; no caso de separação, tudo ia para o marido, independentemente de o bem ter sido herdado pela mulher.

As mulheres ainda não têm o direito de escolher se desejam ou não ter filhos - não interessa se quem passa por todo o processo físico da gravidez é ela - e porque engravidam recebem menos em seus empregos quando conseguem ser contratadas. Até hoje a mulher que não quer ser mãe é condenada.

Eu poderia falar mais sobre o feminismo, inclusive sobre a história da luta por igualdade de direitos, a qual acabou também por criar correntes diferentes de pensamento, levando à existência de feminismoS múltiplos. Deve-se lembrar, ainda, que feminismo não é o mesmo que ódio aos homens (ódio que pode até fazer parte de uma ou outra linha de pensamento, mas que não é uma regra) e que o desprezo pelo machismo vem de vidas inteiras sendo submetidas a essa dominação que coloca o homem como superior à mulher.

Quando, em resposta a uma campanha pelo feminismo, pessoas adotam uma hashtag do tipo #RolaNoRaboDasFeministas, fica evidente que a "rola" ou seja, o falo, ainda é um instrumento dominador. É como se a "rola" fosse capaz de fazer com que a mulher deixasse de ser feminista por meio da humilhação. Aliás, aqui se mostra outro pensamento machista: o de que uma pessoa sexualmente passiva é alguém menor que, por gostar de ser penetrada pela "rola" é uma espécie de masoquista.

Não é a feminista que sente repulsa pela "rola", mas o "macho" que é ensinado, desde pequeno, a orgulhar-se de sua "rola" e de demonstrar aversão pela "rola" alheia. Aliás, viris como são, esses "machos" não podem se sensibilizar com luta alguma, pois devem sentir orgulho também da própria ignorância e falta de empatia.


Desserviço: "imprensa" que distorce e não se informa


Após ter feito a cirurgia de redesignação genital em 2012 na Tailândia, Lea T. tem falado, em algumas entrevistas, sobre seu arrependimento.

Tendo passado por uma experiência ruim durante a recuperação, Lea T. repensou sua condição de mulher, afirmando que "ninguém vai virar mulher com a vaginoplastia". Essa fala é importante e deve ser destrinchada - e não distorcida como a imprensa vem fazendo.

Após a vaginoplastia, a modelo teve gangrena, certamente um trauma que a deve ter feito refletir muito. O que ela diz é que muitas trans procuram se tornar "mulheres completas" de acordo com os padrões impostos pela sociedade, que não aceita uma mulher trans que esteja satisfeita com seu corpo antes da redesignação genital.

Ao que parece, seu arrependimento foi o de ter procurado satisfazer esses padrões e, como ela disse de forma muito clara em entrevista à Oprah Winfrey: "Para mim foi um periodo intenso, de muita pressão sobre mim e minha vida. Fazer uma operação de mudança de sexo mudará uma parte de seu corpo. Uma parte realmente íntima do seu corpo, mas isso é tudo. Você não muda o seu cérebro, não muda os seus olhos, não se torna uma princesa após a operação.... Você continua a ser a mesma pessoa. Quando acordei (da cirurgia), ainda era eu mesmo, gostava das mesmas coisas".

É interessante notar como a fala de Lea expõe a pressão que todas enfrentam pela sociedade e como isso influencia em grande parte as decisões de uma pessoa. Normalmente, ninguém procura se informar a fundo a respeito da transgeneridade antes de dar sua opinião - quase sempre equivocada e infundada - e vê no discurso agora proferido por ela uma justificativa para se posicionar contra a aceitação dos indivíduos trans.

Um exemplo é a matéria preconceituosa e rasa publicada no blog do Leo Dias, no jornal O Dia:

O texto do blog sugere que Lea T. está arrependida de ter "virado transexual" (entre aspas, afinal, ninguém "vira" trans, a pessoa É trans), como se quisesse "voltar" a ser do gênero masculino. Aqui, o discurso claramente confunde a experiência traumática de Lea e seu arrependimento de ter decidido pela redesignação com um arrependimento por ser quem é - este último, uma afirmação absurda.

Como se não fosse o suficiente, a matéria mistura gênero e sexualidade, como se uma mulher trans fosse, por associação, heterossexual. Isso reforça o que chamamos de "heteronormatividade", que apenas enxerga o comportamento hétero como norma e ignora outras orientações.

Uma mulher trans pode muito bem ser lésbica ou bissexual. E, reforçamos, Lea T. não se arrepende de ser uma mulher trans. Seu arrependimento está na decisão de passar por uma cirurgia bastante invasiva e delicada que fez com que ela ficasse muito tempo em recuperação - e que não alterou sua mente.

Seu caso não é exclusivo. Muitas mulheres que se submetem à vaginoplastia o fazem para se encaixar na sociedade e acabam se arrependendo depois porque o resultado é unicamente físico. Uma cirurgia não torna uma mulher realizada - e isso serve para todas. Há pessoas trans que não sentem a menor necessidade de passar por intervenções cirúrgicas e isso deve ser respeitado, pois sua realização não depende das modificações físicas.

As pessoas parecem incapazes de entender que existe uma gama muito ampla de expressões de feminilidade e masculinidade, e que nem sempre adequar-se ao que esperam de você é sinônimo de felicidade. Uma mulher trans é uma mulher, pois é essa sua identidade. O que ela fará em seu corpo para expressar essa identidade é uma escolha que só cabe a ela.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Professores que cometem abuso são uma realidade

Desde muito novos somos apresentados à ideia de que o professor é o responsável por nos transmitir conhecimento e de que passaremos grande parte da nossa vida sob suas tutelas. A convivência deve ser respeitosa e amigável e, não raro, são as professoras e professores os primeiros adultos, à parte dos familiares, a quem admiramos intensamente.

Na verdade, construímos com eles o mesmo tipo de relação que temos com as demais pessoas que amamos e com quem convivemos por muito tempo – às vezes conturbada, às vezes tranquila, às vezes com uma proximidade e carinho evidentes, próprios dos grandes amigos.

Quando passamos a ter professores diferentes para matérias específicas, a sensação de tutela se dissipa e não existe a mesma cumplicidade, a não ser com aqueles com quem temos mais afinidades, seja pela matéria que lecionam, seja pela personalidade que nos cativa. Ainda assim, não deixamos de confiar nesses profissionais e até mesmo de recorrer a eles quando precisamos de ajuda – inclusive no âmbito pessoal.

Concordo que para algumas pessoas essa descrição que acabo de fazer vai soar romantizada. Mas a questão da confiança, em maior ou menor grau, é importante para o relacionamento que compreende o aluno, o professor e a instituição em que ambos se encontram, ou seja, a escola. Quando essa confiança é quebrada, desmantela-se também a sensação de segurança que nos deve ser garantida pela escola.

Assim, é assustador pensar que, dentro da instituição à qual confiamos o bem-estar da criança, encontra-se um indivíduo capaz de tirar proveito da situação para abusar de seus próprios alunos.

Recentemente, foi publicada a notícia de um professor acusado de abusar sexualmente de garotas de 9 e 10 anos de idade, alunas do 5º ano do fundamental, em escola municipal da cidade de Cajati, no Vale do Ribeira, interior de São Paulo.

O docente teria agido levando as meninas durante os intervalos a uma sala de aula vazia, onde pedia beijos na boca e tocava os genitais das vítimas. Acredita-se que ele tenha feito isso com pelo menos três alunas, mas os detalhes do caso ainda não podem ser revelados por este estar em processo.

No Facebook, a página “Meu Professor Abusador” publica, anonimamente, relatos de pessoas que foram vítimas de seus próprios professores, tanto na escola como em cursinhos e universidades. No ar desde 9 de fevereiro deste ano, a página tem quase 600 relatos publicados e já tem sido alvo de ameaças judiciais.

Ali, os casos são apresentados anonimamente, sem que a vítima seja exposta – e também sem que o suspeito tenha seu nome revelado, apesar de às vezes ser possível, para as pessoas próximas à vítima e ao acusado, reconhecer de quem se trata.

A existência dessa página é importante para mostrar como a figura do professor abusador é real e pode se tratar de alguém que age da mesma forma há muito tempo sem ser denunciado. Ao coletar os relatos e publicá-los, dá-se às vítimas oportunidade de perceberem que não estão sozinhas e podem ser fonte de motivação para que denunciem seus agressores.

A maior parte dos casos acontece com garotas assediadas por professores, no entanto, cabe ressaltar que professoras também podem cometer abuso sexual e que garotos também podem ser vítimas. Infelizmente, no caso de meninos abordados por professores ou professoras, é ainda mais difícil haver denúncia formal, por vergonha das vítimas ou por acreditarem que um homem “não pode sofrer abuso”.

Por fim, em tempos de redes sociais, cabe algumas dicas sobre como agir no caso de assédio (não apenas de professor, mas de qualquer um que venha a abordar):

  •  Não publique imediatamente um texto com foto no Facebook denunciando a pessoa. Se isso for feito antes que seja registrado um boletim de ocorrência ou mesmo enquanto o caso estiver em julgamento, você pode sofrer acusação por parte do suspeito, por danos morais, calúnia ou difamação.
  • Se você for menor de idade, converse com seus pais antes de procurar a direção da escola ou cursinho, para que vocês possam decidir juntos o que fazer.
  • Converse com um advogado para que ele possa lhe orientar a respeito de como proceder.
  • Se a pessoa que abusou de você fizer comentários nos seus perfis em redes sociais, ou enviar mensagens pessoais a você, dê “print” em tudo e salve no seu computador – de preferência, faça ainda um back up e guarde em local seguro – e não apague as postagens. Esses registros podem servir de prova em um processo.

Ainda sobre essa questão de ocorridos pela internet, o vídeo da advogada Gisele Truzzi é bem esclarecedor:


terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Precisamos falar sobre pedofilia


Devido ao episódio ocorrido no Big Brother Brasil sobre o qual falei no texto anterior, em que Ana Paula chama Laércio de pedófilo, uma discussão surgiu nas redes sociais: o que é pedofilia e o que leva um indivíduo a ser pedófilo?

Por se tratar de um desejo sexual tabu, pouco se fala e muito se equivoca na hora de tratar desse problema. Em partes, porque o senso comum tende a generalizar as coisas e em partes porque nossa atitude, diante do comportamento pedofílico, é um tanto quanto histérica e pouco racional.

Não estou, em hipótese alguma, defendendo a pedofilia. O que defendo é o esclarecimento sobre ela para que possamos justamente refletir sobre as melhores soluções possíveis no que concerne ao tratamento e mesmo à punição de pedófilos. A generalização acrescida à demonização do pedófilo faz com que as coisas piorem: porque evitamos compreender tal comportamento, somente nos voltamos para sua realidade quando o abuso infantil acontece e o sujeito é condenado, quando já é tarde demais.

O termo "pedofilia" foi cunhado pelo sexólogo Richard von Krafft-Ebing em 1886. Ele designa aquelas pessoas que sentem atração primária por crianças impúberes ou no início da puberdade (por volta dos 13 anos de idade). A "filia", no grego, pode significar tanto amor como amizade.

Os motivos de uma pessoa ser pedófila não foram ainda completamente descobertos, mas pesquisas realizadas ao longo de mais de uma década pelo Dr. James Cantor, do CAMH (Centre for Addiction and Mental Health), indicam que se trata de algo tão arraigado quanto a orientação sexual, de cunho biológico e, portanto, identificável no cérebro.

Muitas pessoas, obviamente, jamais vão revelar que são pedófilas, nem mesmo a um terapeuta ou psiquiatra. Sendo assim, não existe um estudo preciso sobre quantos pedófilos existem no mundo e as estatísticas variam de 1% a 20% da população mundial. A falta de pesquisas é justificada, por algumas instituições, pelo fator econômico atrelado ao tabu: se uma organização conduzir um estudo sobre pedófilos pode passar a impressão de que, ao querer entendê-los, é empática a eles, o que certamente levaria empresas a deixarem de contribuir com doações.

Nos poucos estudos realizados com voluntários, descobriu-se que cerca de 17% dos homens que se consideram "normais" (ou seja, que não se descrevem como pedófilos) seriam capazes de se excitar sexualmente por alguma criança abaixo dos 12 anos de idade.

Uma pesquisa feita em 2006, por Becker-Blease e colegas, usando um questionário preenchido por 531 homens universitários, revelou que 7% dos participantes admitiram sentir atração sexual por "crianças pequenas", enquanto 18% disseram ter fantasias sexuais com crianças - dos quais 8% se masturbavam com essas fantasias e 4% admitiam que fariam sexo com uma criança "se ninguém descobrisse".

Há ainda menos estudos tratando da pedofilia entre mulheres. Em 1996, uma pesquisa feita por Smiljanich e Briere sugere que 3% de um grupo de 180 mulheres admitem atração por "crianças pequenas" e 4% usam pornografia infantil.

Lembrando que todos os estudos foram feitos com voluntários e que nem todos os pedófilos revelam seu desejo, essas estatísticas provavelmente mostram um número muito menor do que a realidade. A conclusão? A pedofilia não é rara, mas recorrente entre as pessoas. O que acontece é que a sociedade não tem a menor ideia do que fazer com pedófilos que não cometem crimes.

Ninguém se importa em procurar entender e ajudar aqueles pedófilos que não agem em função desse desejo sexual e que precisam, com urgência, de tratamento para que aprendam a controlar seus impulsos e não cometam abuso contra crianças. Contudo, porque enxergamos a atração sexual por crianças como um crime por si só, partimos diretamente para a culpabilização e desejo de punição, pulando o referido tratamento que pode ser crucial para se reduzir o número de abusos.

Devemos nos lembrar, ainda, que o fator cultural faz com que nem todo abusador de crianças seja, necessariamente, pedófilo - da mesma forma que nem todo pedófilo é um abusador.

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Fontes e leituras recomendadas:

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Sobre Laércios e novinhas

No Big Brother Brasil, a repercussão do atrito entre os participantes Ana Paula e Laércio trouxe à tona um tema que precisa ser discutido com seriedade: o sexo entre pessoas mais velhas e adolescentes.

Primeiramente, gostaria de alertar para o fato de que não estou tratando, aqui, de pedofilia, tema do qual tratarei em outro texto. Resumidamente, o indivíduo pedófilo é aquele que sente atração sexual por crianças pré-púberes. No entanto, ter a criança como objeto de desejo não significa, necessariamente, agir para satisfazer esse desejo e cometer abuso. Muitos pedófilos não são criminosos e passam sua vida reprimindo e controlando essa atração repulsiva – na verdade, uma minoria dos pedófilos (no sentido de pessoas que realmente apresentam um transtorno) comete crimes.

Sendo assim, o tal Laércio não é um pedófilo. Ele pode apresentar problemas sérios de conduta, mas não é um pedófilo. Ele é, inclusive, suspeito de ter cometido um crime ao abusar sexualmente de uma menor de idade e os rumores sobre sua conduta são anteriores ao episódio do conflito com Ana Paula.
Além do mais, em sua página no Facebook, ele admite gostar de adolescentes e de fazer sexo com garotas bêbadas:




Quando assume que gosta de uma “novinha”, o indivíduo parece não ver algo de errado nessa preferência. E isso acontece porque no Brasil existe uma cultura de hipersexualização da “novinha” que vem se perpetuando inclusive por meio de letras de músicas populares, por exemplo, “Me Lambe”, dos Raimundos, “Novinha do Orkut”, de Claudinho e Buchecha, “Fica Caladinha”, do Bonde do Tigrão, entre muitas outras.

Justamente na música, a hipersexualização fica ainda mais evidente quando observamos letras cantadas por garotos como MC Pedrinho, que mal entrou na adolescência, mas ganha dinheiro com títulos como “Na Putaria”, “Geometria da Putaria”, “Planeta da Putaria”...

Em pesquisa, realizada pela página pornô PornHub, revelou-se que “novinha” é o termo mais buscado no Brasil. Esse resultado é uma indicação do imaginário brasileiro – e de muitos outros países, em que a palavra mais procurada era “teen”, ou seja, “adolescente”.


A atração pela ninfeta pode ser explicada pelo fato de se tratar de garotas ainda imaturas que podem facilmente se deixar convencer por homens mais velhos. Vale lembrar que o conceito de “ninfeta” passa, necessariamente, pela ideia de adolescente ou menina que incita o desejo sexual.

É impossível refletir sobre essa questão sem levar em conta a oposição à educação sexual nas escolas por parte de muitos pais e adultos formadores de opinião. Ao mesmo tempo em que se procura ignorar a sexualidade infantil, luta-se para “proteger” as crianças de uma realidade com a qual elas se deparam muito cedo.

A garota que o pai deseja proteger por meio da proibição de aulas sobre sexo e sexualidade no âmbito educacional é a mesma que, na rua, é assediada constantemente e tratada como um objeto de desejo (no pior sentido da palavra) independentemente de sua idade.

Vale lembrar as palavras de Carol Patronício em seu texto escrito na ocasião do Master Chef Junior, quando homens fizeram comentários a respeito de uma criança de 12 anos que participou do programa:

Enquanto meninas são encaminhadas a uma maturidade precoce, os meninos e homens são perdoados por todos seus erros porque são apenas garotos, independente da sua idade — vamos deixar claro também que isso acontece com mais força quando relacionado a homens brancos e de certa posição socioeconômica, aos homens e meninos negros ou pobres sobra apenas a desconfiança e teorias que apontam seus erros como biológicos.

Some a toda essa cultura a ideia de que todas as mulheres são vagabundas. Todas aquelas que não estão dentro do padrão esperado por aquele homem, já que não existe um consenso sobre como deveria ser o comportamento feminino de uma não-vadia. Quando a mulher é bonita, então, o problema é ainda maior: ela é tida como burra, é objetificada, estereotipada e tem tomada de si a possibilidade de dizer não a qualquer investida. O preço disso é ser tachada de metida. E não importa o que uma mulher faça: basta despertar o desejo em um homem e você se torna vagabunda.

O desejo é responsabilidade de quem o sente e não de quem o desperta. Quando um adulto sente desejo por uma criança é ele o culpado por ir contra uma norma social que protege a infância, a integridade e o corpo de uma incapaz (de acordo com a lei). Porém é muito simples inverter esse raciocínio ao dizer que a menina já tem em si a sexualidade de uma mulher, que ela usa roupas provocativas e que pede atenção masculina. Com essa ideia o homem torna-se a vítima de uma “destruidora de lares” que ainda brinca de boneca, apesar de ter sim sexualidade, ainda que muito diferente da de uma mulher adulta.

Enquanto garotos são, desde muito novos, estimulados a vocalizar e a agir em favor de seus “instintos”, inclusive sexuais, garotas são ensinadas a manter o recato. Logo, quando a menina se mostra mais expansiva, é considerada culpada de “aguçar” o desejo masculino – na visão da sociedade, aparentemente, não interessa se essa menina tem apenas 16 anos e seu comportamento é típico de uma adolescente. Raramente a responsabilidade do homem adulto, o qual deveria zelar pela integridade da adolescente e não a abordar com intenções sexuais, é colocada em pauta e questionada. 

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Leitura recomendada: