domingo, 27 de novembro de 2016

Desconstruções de gênero ou reforço de construções passadas?

A dificuldade de determinar minha identidade de gênero - a qual é uma exigência social - levou a uma série de questões e dilemas sobre os quais até hoje não sou capaz de responder. Não me vejo como uma pessoa cisgênero porque não sou uma mulher - pelo menos não estou de acordo com essa designação e com nada do que é colocado sob o conceito de "mulher" e, pensando na clássica frase de Simone de Beauvoir, eu falhei em me tornar mulher. Porém, não estar de acordo com o gênero que me foi designado também não significa que eu me identifique com o gênero masculino, aquele que ocupa o outro espectro do binário.

Pensando na fluidez, no trânsito, no eterno processo de negociação de minha identidade de gênero e dos papéis que assumo, no fato de usar meu corpo como um lugar de experimentação sem assumir características definitivas, depois de uma vida procurando compreender em que lugar me encontro e diante da pressão, por parte da sociedade, por assumir uma identidade, assumo, então, uma identidade não-binária.

Em primeiro lugar, não ter uma identidade cisgênero, para mim, não é o mesmo que automaticamente ter uma identidade transgênero. Eu não posso, em absoluto, falar pela comunidade trans como "representante". Se existem pessoas que me consideram como alguém trans, isso parte de uma noção bastante complexa que está relacionada com a história e a evolução dos Estudos Queer e de movimentos pela diversidade sexual e de gênero que ainda lutam por estabelecer consensos que, na verdade, têm mais a ver com uma obsessão humana pela classificação como recurso didático.

Tendo explicado meu lugar de fala, pretendo entrar na discussão sobre desconstruções de gênero e como, até para algo que se pretende questionador, existem pessoas capazes de incorporar um estereótipo na busca por assumir um posicionamento que lhes parece "legal" ou "moderno".


Minha primeira atitude, diante dessa caricatura, foi a de unir imagem e texto, contextualizando o painel como um todo. Temos, aqui, um indivíduo que se identifica como trans ("eu também sou trans"; "eu não sou homem, meu gênero é...") e que parece tomar o cuidado de não se colocar no lugar de mulheres. Contudo, essa aparente consciência sobre seu "lugar de fala" como "não-mulher" não parece existir quando o posicionamento diz respeito às pessoas trans. Ou seja, esse indivíduo não vê problema em falar por pessoas trans.

Esse sujeito também não se considera apropriador da cultura negra porque seu "avô era negro", mas não leva em conta que sua pele clara faz com que ele não possa falar por pessoas negras e que deve tomar cuidado ao colocar sua ancestralidade em pauta.

Outra palavra, ali, indica um comportamento machista e opressor: "gaslighting". O indivíduo que pratica o gaslighting é aquele que distorce ou omite informações para desmerecer a fala do outro. É, portanto, o sujeito que acusa uma mulher negra de ser agressiva quando ela lhe chama a atenção para a apropriação cultural, por exemplo, ou que acusa travestis de serem exageradas e histéricas, prejudicando a aceitação de pessoas trans, ou ainda que se sente atacado por feministas quando elas problematizam sua identidade de gênero.

Levando em conta todo o conjunto que envolve atitude, discurso, identificação e posicionamento por conveniência, a princípio, vi na imagem a reprodução de um estereótipo que tem se reafirmado recentemente. Trata-se da pessoa que promove uma banalização da desconstrução ao assumir, forçosamente, uma superfície "destruidora de gêneros" que não passa disso: de uma superfície. Trata-se do sujeito que nunca passou por experiências de opressão, muito menos pelo sofrimento psíquico que vem com a percepção de uma identidade de gênero destoante e com a busca pela auto-aceitação de grupos que, historicamente, são vistos com tamanho desprezo que internalizam a depreciação sem ter o direito de existir como sujeitos.

Mas há um outro ponto de vista que tira essa caricatura da qualidade de uma crítica válida para a da de uma abordagem preconceituosa que invalida a multiplicidade das expressões trans. Afinal, existem mulheres trans e pessoas não binárias que, de alguma forma, encaixam-se na aparência física do sujeito ali desenhado. A diferença é que a postura dessas pessoas não parte de uma "atuação" artificial e superficial. Há mulheres e homens trans que não se adequam ao que a sociedade espera de alguém transgênero, simplesmente porque, como qualquer outra categoria, nela está comportada uma grande diversidade.

A noção de uma pessoa trans "de verdade" está completamente baseada na medicalização da condição transgênero, que determina um "diagnóstico" pautado na infelicidade total com o próprio corpo e na necessidade de uma transição tipificada, que envolve hormonização, cirurgias e a adequação total ao gênero com o qual a pessoa se identifica.

O grande problema é que grande parte das pessoas trans não se encaixa nessas regras médicas apontadoras de uma disforia, responsáveis pela forma como enxergamos, até hoje, a transgeneridade como condição patológica. Assim, espera-se que transgêneros sigam uma norma, a qual os direcionaria a uma coerência corporal a fim de que se aproximem do ideal cisgênero.

Que homens se importem em questionar as normas de gênero e em desconstruir suas próprias masculinidades é algo positivo, mas até que ponto essa é só uma atitude que não necessariamente configura uma identidade? Em que medida se dizer trans para negar sua masculinidade pode prejudicar um movimento legítimo e múltiplo que vem lutando contra o controle exercido pelas instituições sobre seus próprios corpos? Como saber se esses indivíduos estão assumindo o protagonismo que deve ser dado a outras pessoas simplesmente por uma vontade de ser diferente?

O limite entre representação e desinformação baseada em percepções equivocadas ou generalistas é muito tênue, daí a necessidade de sempre retomarmos o debate sobre o "lugar de fala". A quem cabe a crítica ao estereótipo de um "destruidor dos gêneros"? Certamente, não às pessoas cisgênero, privilegiadas por seus corpos "lógicos" e "coerentes".

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Não se combate o sistema elegendo Trump



É preciso admitir: a vitória de Hillary Clinton daria continuidade ao sistema político estadunidense, controlado por grandes bancos e investidores. A manutenção de um capitalismo cruel, nas mãos de uma elite, que toma as reais decisões e manipula os governantes, de fato, aconteceria com a eleição da candidata. Não podemos ser ingênuos de achar que ela traria grandes mudanças, nem que beneficiaria efetivamente os mais pobres e as minorias, afinal, ela é uma participante de um jogo de interesses que está muito além do que nos é trazido pelos noticiários.

Nesse sentido, é até possível compreender que indivíduos insatisfeitos com o falido sistema político dos Estados Unidos tenham optado por apoiar Trump como o "menos pior", por ele não ser um dos peões nas mãos dos bancos e investidores, fator que pode ter levado ao apoio do candidato por muitas pessoas da esquerda.


O filósofo Slavoj Zizek chegou a afirmar, em entrevista, que Clinton representa apenas "mais do mesmo", alguém que mantém laços suspeitos em Wall Street, e que sua eleição simplesmente manteria o país em seu estado de inércia. Ele acredita, ainda, que as políticas de Trump não são, necessariamente, péssimas, citando como exemplo a fala do candidato sobre a necessidade de se repensar o impasse entre Israel e Palestina. Para Zizek, Clinton é "o real perigo".


Se, por um lado, Trump representa a indignação de muitos com o sistema e uma tentativa de romper com a inércia, por outro, como sujeito, ele é símbolo de algo perigoso: a sanção da violência opressora e da intolerância. Trata-se de algo paradoxal, uma vez que a vitória de Clinton significaria a continuidade da opressão do capital e de uma violência mascarada e/ou dissimulada.


O problema está na forma como Trump tem se portado ao longo de todo sua vida, o que acaba por se tornar um exemplo a atestar que alguém ser machista, racista, xenofóbico, orgulhosamente ignorante e sem filtros é algo "passável" se você está contra o sistema dominante. Além do mais, Trump pode até não ser parte desse sistema, mas é, sem dúvidas, um beneficiado por ele. Se, como afirma Zizek, Hillary é perigo real, Trump não pode ser visto como inofensivo ou como um perigo "irreal".


Não se combate um sistema cruel elegendo um homem acusado de cometer abusos por diversas mulheres (há relatos feitos desde 1980), que se gabou de assediá-las e que fez declarações públicas sobre não se importar com o que as jornalistas escrevem a respeito dele, contanto que tenham belas bundas (ele disse, para a Esquire magazine: "You know, it doesn't really matter what [they] write as long as you've got a young and beautiful piece of ass."). Não se combate um sistema cruel elegendo um homem que mente com facilidade e que tem orgulho de ser ignorante, de não gostar de ler - sendo que é fundamental, a um presidente, estudar diariamente.


Independentemente do que Trump realmente pensa - ou de como irá agir -, seu discurso durante a campanha eleitoral teve ressonância direta entre indivíduos sedentos por acabar com políticas sociais e por retomar seus privilégios, sob a justificativa de tornar a América grande/ótima novamente. Por causa do discurso proferido por Trump em sua campanha, muitos se acham no direito de agredir física e verbalmente pessoas que pertencem a grupos minoritários diversos, simplesmente porque o novo presidente do país falou a favor de suas ideias e as encorajou.


Negros, latinos, homossexuais, pessoas transgênero, muçulmanos, imigrantes, todos que não pertencem ao grupo de brancos cristãos heterossexuais estão vivenciando um momento aterrador, de proliferação da violência na forma de ameaças, ofensas, agressões físicas e humilhações múltiplas que deixam claro o quanto a sociedade estadunidense continua sendo governada pela discriminação.


Posicionar-se contra Hillary Clinton porque ela representa a continuidade do sistema mais capitalista e dominador do mundo é perfeitamente inteligível, mas apoiar Trump, acreditando que ele simboliza o descontentamento com esse mesmo sistema é incompreensível, uma vez que nem sabemos, de fato, o real posicionamento de um candidato famoso por sua conduta altamente questionável. Por mais que acreditemos na ignorância em relação ao jogo governamental como uma forma de romper com a atual hegemonia, pensar em Trump como uma opção viável é tão ingênuo quanto defender Clinton como a candidata ideal.


Grupos minoritários que continuam a fazer oposição a Trump, declarando apoio a Clinton, não acreditam que ela vá ser a presidente perfeita, mas têm uma crença de que a luta contra ela não envolva tanto medo quanto a luta que agora ocorre não apenas contra Trump, mas contra todos os que acreditaram em seu discurso e têm exercido livremente o racismo e a discriminação, como se fossem atos sancionados na própria figura do presidente.


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Mais leituras:

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

A perseguição a LGBTs no regime militar

[Este post reúne dois textos meus que tratam do tema. Tenho a intenção de fazer uma espécie de dossiê futuramente, mas é um trabalho a ser completado a longo prazo. Decidi por colocá-los aqui para facilitar a quem eventualmente faça uma pesquisa e precise consultar os dados.]

Operação Tarântula: A caça às travestis no Brasil durante os anos de 1970 e 80

O regime militar foi especialmente duro com LGBTs. Após a abertura política, policiais continuaram a "caçar" travestis com o apoio da sociedade.

As travestis definitivamente fazem parte do imaginário cultural brasileiro. Estão nas ruas, na televisão e formam um grupo social único de complexa definição. Apesar de toda sua visibilidade, isso não significa que são aceitas socialmente - muito pelo contrário, representam um dos segmentos mais discriminados e marginalizados da comunidade LGBTTT.
A expressão de gênero feminina não confere unanimidade às identidades de gênero adotadas pelas travestis: algumas se identificam como mulheres; outras, como um terceiro gênero entre o masculino e o feminino; há ainda aquelas que se dizem homens homossexuais (talvez reproduzindo um senso comum ainda veiculado pelos meios de comunicação).
De fato, historicamente, algumas travestis adotaram uma aparência feminina para conquistar mais clientes no mercado da prostituição, que por vezes se apresenta como único meio de subsistência para homossexuais efeminados nascidos em famílias pobres e que não puderam pagar por uma educação de qualidade. Mas há também as mulheres trans que não têm condições de pagar pelo processo de transição adequado e recorrem a meios mais baratos para conquistar o corpo que tanto desejam. Há até mesmo aquelas mulheres que não almejam a cirurgia de redesignação genital e abraçam a ambiguidade de gênero que acaba por caracterizar a travesti que figura na mentalidade popular.
No Brasil governado por militares, não é de se estranhar que essas pessoas tenham se tornado alvo de perseguição juntamente à comunidade homossexual (como foi o caso também dos negros, associados à "vadiagem" e "malandragem"). Apesar de muitas, à época, trabalharem na indústria do entretenimento como transformistas, a maioria absoluta recorria à prostituição para se manter e, por esse motivo, travestis eram automaticamente consideradas criminosas.
Segundo conta o livro Ditadura e homossexualidades, organizado por James N. Green e Renan Quinalha, no início dos anos 1970 a polícia civil passou a fazer rondas para reprimir a criminalidade nas grandes cidades, por meio de blitz. Assim, apreendiam LGBTs nas ruas sob a justificativa de averiguação (naquela época, havia uma lei contra a "vadiagem", que era usada como motivação para deter essas pessoas).
A partir de 1976, a polícia civil de São Paulo passou a estudar e a combater travestis. O delegado Guido Fonseca, responsável por uma pesquisa em criminologia envolvendo essas pessoas que chamava de "pervertidos" determinou, então, que toda travesti devia ser levada à delegacia para que fosse fichada e tivesse sua foto tirada "para que os juízes possam avaliar seu grau de periculosidade".
Além da repressão oficial, as décadas de 1970 e 80 testemunharam uma onda de assassinatos brutais de pessoas LGBT, algumas delas bastante conhecidas, como o diretor de teatro Luíz Antônio Martinez Corrêa, irmão de Zé Celso. Em 1987, a polícia deu início à Operação Tarântula, com o objetivo principal de prender travestis que se prostituíam nas ruas de São Paulo. Apesar de a operação ter sido suspensa pouco tempo depois, travestis passaram a ser assassinadas misteriosamente, a tiros.
Além da suspeita que recaiu sobre policiais, houve desconfiança da ação de grupos anti-gays que se manifestavam abertamente e, não raro, a própria população era favorável à matança como uma forma de "higienização" das ruas da cidade. Declarações mostradas no documentário Temporada de caça, dirigido e produzido por Rita Moreira (veja abaixo), dão a dimensão de como o ódio generalizado predominava na sociedade e, de certa forma, sancionava uma verdadeira caçada às minorias sexuais.
Conhecer esse período tenebroso da história brasileira é importante para que fiquemos atentos a novas movimentações semelhantes de ataques à comunidade LGBT - que podem começar como uma simples defesa à liberdade de expressão e ao direito de "não gostar de homossexuais". A linha entre a livre manifestação de um ponto de vista preconceituoso e a ação pode ser mais tênue do que imaginamos.

*Texto originalmente publicado em: Blasting News

Durante o regime militar, LGBTs sofriam maior perseguição

Homossexuais, travestis e mulheres trans sofriam com tortura e assédio sexual por parte de oficiais.

As narrativas que emergem desde o fim do Regime Militar, em sua maioria, dizem respeito a ativistas políticos e intelectuais que criticavam a ditadura, pouco se falando sobre a situação vivida por minorias sociais como negros, pessoas LGBT e prostitutas, que habitavam uma espécie de submundo urbano.
Em 1969, por exemplo, o Ministério das Relações Exteriores instalou a Comissão de Investigação Sumária, visando à perseguição de homossexuais, alcoólatras e pessoas consideradas emocionalmente instável dentro do Itamaraty. Ao todo, 44 indivíduos foram cassados a partir da declaração do AI-5, porque afrontavam os valores do regime em suas condutas privadas. Entre os diplomatas obrigados a pedirem demissão, 15 o fizeram em função de “prática de homossexualismo” e “incontinência pública escandalosa”, e outros 10 conduzidos a fazer exames médicos e psiquiátricos para se comprovar as suspeitas que sobre eles recaíam, justificando seu afastamento.
A ideia de repressão ao crime levou à criação de diversas operações policiais voltadas para a abordagem de indivíduos “suspeitos” a qualquer hora do dia. As rondas que, no auge do regime militar, dedicavam-se a combater as guerrilhas, voltaram-se para a realização de blitz que tinham, entre seus alvos preferenciais, negros, pobres e LGBTs com frequência detidos para averiguação conforme a interpretação da lei por cada investigador.
Nos anos de 1976 e 1977, a polícia civil desenvolveu um estudo de criminologia tendo as travestis como objeto de pesquisa, sob comando do delegado Guido Fonseca, registrando 460 delas, das quais 398 chegaram a ser levadas para interrogatório. Cada travesti fichada precisava assinar um termo no qual constavam profissão, ganho mensal, gastos com hormônios e aluguel, entre outras informações. As tentativas de implantar políticas de higienização na cidade se prolongaram também pela década de 1980, contando com o apoio de grande parte da população, a exemplo das Operações Cidade, Limpeza e Tarântula.
O relatório final da Comissão Nacional da Verdade conta que esse processo de higienização urbana resultou em pelo menos 1,5 mil prisões somente na cidade de São Paulo. As travestis eram os alvos principais de espancamentos, humilhações e extorsões, sendo com frequência obrigadas a fazer sexo com policiais em troca de liberdade.
Em relato durante o 2º Workshop Regional da Rede Trans Brasil, que aconteceu em Uberlândia no dia 22 de outubro, a mineira Sissy Kelly, hoje com 59 anos, contou sobre o medo constante de viver no regime. Não raro, para fugir, as travestis tinham de subir nos telhados das casas e ainda revelou que, às vezes, os policiais que as espancavam eram os mesmos que procuravam por seus serviços sexuais. Cada cidade tinha suas práticas e formas de humilhar as presas, que eram obrigadas a lavar os banheiros das delegacias, fazer sessões de sexo oral nos policiais, entre outros absurdos. Segundo Kelly, em Salvador, cabia a elas lavar os cadáveres recolhidos.
Marcelly Malta, de 65 anos, natural de Porto Alegre, também compareceu ao evento em Uberlândia para narrar suas memórias. Ela conta que mesmo trabalhando formalmente e saindo à rua com sua carteira de trabalho para mostrar aos oficiais, era apreendida e acusada de vadiagem, tendo sua carteira rasgada. Relata ainda que as colegas negras apanhavam ainda mais e era comum que simplesmente desaparecessem depois de abordadas por policiais.
A Operação Cidade foi deflagrada em 1980, durante o governo de Paulo Maluff, na cidade de São Paulo, sob o comando do delegado José Wilson Richetti, sob a justificativa de prender assaltantes e traficantes de drogas. No entanto, conforme noticiado pelos jornais à época, somente no primeiro dia da operação houve 152 prisões, sendo a maioria de prostitutas, homossexuais e travestis.
Se desejamos caminhar para uma sociedade mais tolerante, é de extrema importância que estejamos atentos a histórias de perseguição e também de omissão por parte de órgãos oficiais para que elas não se repitam.
*Texto originalmente publicado em: Blasting News
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Leituras complementares:

sábado, 17 de setembro de 2016

Resgatando a história LGBTTTQ

Walter Benjamin escreveu, em suas Teses sobre o conceito de história, que aprendemos, com a tradição dos oprimidos, que o "estado de exceção" é, na verdade, uma regra. Para as minorias sexuais, a violência e discriminação são habituais e a obtenção de direitos requer lutas intensas e longas, algo que fica bastante óbvio quando nos dedicamos a estudar o passado dessas pessoas e o comparamos a um presente não muito melhor - no Brasil e no resto do mundo.

1) The New York Times fala sobre a violência LGBTfóbica no Brasil
2) Ataques a LGBTs continuam recorrentes no Brasil
3) Ativista trans foi estuprada e queimada até a morte na Turquia
4) Operação Tarântula: a caça às travestis no Brasil durante os anos 1970 e 80
5) Conheça a história de Gisberta, trans brasileira assassinada em Portugal

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Quem é Biel? (ou "Precisamos rever nossa idolatria")



Eu nem sabia quem era esse garoto até surgir a notícia do assédio que ele cometeu e - maldita a minha curiosidade! - fui ao YouTube descobrir se conhecia algo dele. Honestamente, preferia não ter conhecido. Trata-se de um cara malhado que dizem ser parecido com o Justin Bieber, mas com uma voz infinitamente mais irritante e sem qualquer conhecimento musical (algo que, no caso de Bieber, justifica que ele se mantenha até hoje produzindo e evoluindo).

Por um lado, é bom saber que ele não vai durar muito e em pouco tempo não mais nos lembraremos dele. Por outro lado, ele é só mais um entre tantos artistas que cometem assédio em diferentes níveis e, ainda assim, quando sua atitude se repercute, acham-se no direito de se colocar como prejudicados. Biel é só mais um a reforçar a cultura do estupro e a reproduzir discursos preconceituosos e nojentos na mídia, sem sofrer represália alguma.

Hoje, repercutiram postagens que o "cantor" fez no Twitter, algumas delas já deletadas, provavelmente por aconselhamento da equipe que o acompanha. O que as postagens revelam é mais um garoto privilegiado que vê graça em discriminar e falar merda e que, conforme atestou o Huffington Post Brasil, não vai mudar, afinal, não lhe convém.

Ao lado de Biel, está uma quantidade imensurável de jovens que não enxergam as opressões que não sofrem e acham normal uma cultura de violência propagada principalmente pelo bullying. Uma lista de 10 motivos para não odiar o artista, feita por uma fã, serve como exemplo disso:

1. "Ele é gostoso, então merece ter tudo que tem e ter a mulher que quiser."
Obviamente, a primeira razão está em sua estética: se ele está dentro dos padrões estabelecidos para que um homem seja considerado atraente, ele tem privilégios. Soma-se a isso a ideia de que mulheres estariam apenas interessadas em homens malhados como ele e é impossível que não se sintam atraídas.
2. "Ele é um menino em fase de crescimento e comete erros."
A forma como enxergamos a questão da idade é, até hoje, desigual para homens e mulheres. Com 21 anos, ele é legalmente considerado um adulto e deve sofrer as consequências que um adulto sofreria. Socialmente, de acordo com o senso comum, a adolescência termina aos 18 anos de idade. Ainda socialmente falando, à mulher com 18 anos cabem muito mais responsabilidades e consequências, como se a maturidade fosse exclusiva do gênero feminino pelo menos até os, digamos, os 30 anos de idade.
3. "Ele vem sofrendo racismo brancofóbico".

Não vou comentar isso, né?
4. "Toda mulher gostaria de dar pro Biel e ser cantada por ele."

Eu, particularmente, não gostaria de dar pro Biel e nem de ser cantada por ele, ainda mais com essa vozinha chata e esse jeitinho arrogante. E aposto que encontro pelo menos um milhão de outras mulheres que também não gostariam.
5. "Ele se inspira no Justin. Ambos são percebidos por serem brancos e gostosos."

Se ele se inspirasse no Justin, poderia pelo menos ter aprendido música, ou a cantar. Ninguém é percebido por ser branco, mas por se portar de uma forma mais relacionada à cultura negra, mesmo sendo branco. Eu não gosto do Justin, mas ao menos eu acho que ele tem algumas qualidades. O Biel, não.
6. "Ele é hetero e todos os heteros merecem expressar sua sexualidade."

Expressar sexualidade é diferente de cometer assédio. Todos nós podemos expressar nossa sexualidade, mas não temos o direito de ofender diretamente a outras pessoas enquanto nos expressamos.
7. "Ele sofre preconceito por ser homem, hoje a moda é ser gay."

Também não preciso comentar isso, né?
8. "Ele é humilde e comeria uma mulher, mesmo se ela fosse feia."

Favor procurar no dicionário o conceito de humildade.
9. "Ele gosta de brincar com tudo."

"Brincar" é algo relativo. No humor, o chiste é uma brincadeira ou piada que tem como objetivo atingir a uma pessoa ou grupo específico, normalmente por meio de uma ofensa. Em suma, brincar com algo não significa que o indivíduo não esteja ofendendo, muito pelo contrário, uma estratégia bastante comum é o ato de mascarar a ofensa com a brincadeira, algo que indivíduos preconceituosos fazem com bastante frequência.
10. "Ele só respeita mulheres que se dão o respeito."

"Dar-se ao respeito" é outra questão altamente relativa. A meu ver, no vídeo da entrevista, a jornalista se deu ao respeito e foi bastante profissional, assumindo uma postura descontraída mas, ao mesmo tempo, impondo seus limites - tanto é que negou quando Biel se ofereceu para beijá-la.

A futilidade de cada razão proposta pela fã chega a ser risível, mas é preocupante notar que esses são os valores defendidos por muitos e muitas jovens. Muito provavelmente, isso faz com que sujeitos como o próprio Biel cheguem à fama, mesmo sendo pessoas abertamente desprezíveis. E tudo isso por causa de seu corpo.

Outra questão bastante assustadora é a fixação de Biel pelo estupro. A jornalista relatou que, depois de terminada a entrevista, o "cantor" disse que, se não tivesse que atender outros jornalistas posteriormente, a levaria ao hotel e a "estupraria rapidinho". Em seus posts no Twitter, o termo "estupro" é usado de forma banal.

Em entrevista, o recado de Biel à jornalista assediada reforça o caráter egoísta de alguém que não está acostumado à responsabilidade e procura apontar o outro como causador de efeitos que, na verdade, resultaram de seus próprios erros: “Eu queria primeiro deixá-la ciente do quanto ela prejudicou minha carreira. É um trabalho de anos, não só meu, mas de um grupo empresarial, de uma gravadora”. 


segunda-feira, 25 de julho de 2016

Meninos já usaram vestidos e roupas rosas no passado

Franklin Delano Roosevelt, em foto de 1884: à época, as roupas para crianças eram neutras e não havia diferenciação entre o que seria mais adequado para cada gênero.

Você sabia que nem sempre a cor rosa foi associada à feminilidade e a azul à masculinidade? E que o vestido já foi uma roupa neutra para as crianças? Na verdade, por séculos, todas as crianças usavam um mesmo tipo de roupa até por volta dos 6 ou 7 anos de idade: vestidos brancos.

Segundo a historiadora Jo B. Paoletti, a adoção das cores rosa e azul, bem como outros tons pastéis para bebês aconteceu a partir da segunda metade do século XIX, mas não eram associadas aos gêneros. Somente no período da Primeira Grande Guerra Mundial a simbologia do gênero pelas cores das vestimentas passou a ser adotada, contudo, ainda levou um tempo para que as coisas chegassem ao ponto em que estão hoje.

Publicações das décadas de 1910 e 1920 revelam uma lógica diferente da atual: àquela época, o rosa era para os meninos, por se tratar de uma cor mais decidida e forte, ao passo que o azul, mais delicado e gracioso, deveria ser usado pelas meninas. Porém, os critérios não eram claros e variavam de acordo com o fabricante de roupas.

Na Alemanha, desde os anos 1920, orfanatos adotavam a cor azul para os meninos e a cor rosa para as meninas. Na Bélgia, na Suíça e até mesmo em algumas partes da Alemanha, fazia-se o contrário.

 A imposição de vestimentas específicas de maneira mais efetiva, como a conhecemos, só aconteceu na década de 1940 nos Estados Unidos, quando a moda infantil passou a ser vestir os garotos como seus pais e as garotas como suas mães. No que diz respeito às cores, as associações apenas deixaram de variar por volta das décadas de 70 e 80. Isso mostra que aquilo que temos por estável é, na verdade, uma construção bastante recente, além de arbitrária.

Nos anos 1960, com a emergência do movimento feminista, a tendência se voltou para roupas unisex que não reforçassem a feminilidade e uma fragilidade das garotas. Essa busca por uma vestimenta mais neutra, que não condicionasse as meninas desde cedo a papéis específicos - com roupas delicadas e que não permitiam a elas se movimentar livremente -, se manteve até a metade dos anos 80.

Com o surgimento do exame pré-natal que possibilitava conhecer o sexo do bebê bem antes de seu nascimento, os pais passaram a consumir roupas para seus filhos já tendo em mente seu "sexo". Obviamente, as empresas tiraram proveito desse avanço tecnológico para moldar estratégias de marketing que dessem aos consumidores em potencial a sensação de individualidade, o que resultou em grande aumento das vendas. A publicidade acabou por influenciar os gostos e por consolidar a diferenciação dos gêneros a partir das cores e das vestimentas, da mesma forma que aconteceu também com os brinquedos.

Fontes:




sábado, 23 de julho de 2016

Pastor coloca faixa incitando a morte de homossexuais na frente de igreja, na Bahia


Em Porto de Sauípe, litoral norte da Bahia, um pastor evangélico colocou, do lado de fora da igreja que dirige, mensagens condenando a homossexualidade, as quais estariam contidas na Bíblia. Na faixa, atribuída a Levítico 20:13, lê-se "Se um homem tiver relacionamento com outro homem, os dois deverão ser mortos por causa desse ato nojento; eles serão responsáveis pela sua própria morte". Há ainda uma outra placa, apoiada no chão, em que está escrito "Você é livre para fazer suas escolhas, mas não é livre para escolher as consequências".

A igreja, que pertence à Congregação Batista Bíblica Salém, foi denunciada ao Ministério Público da Bahia, por conta da mensagem endossada pelo pastor. Segundo a promotora e coordenadora do Centro de Apoio aos Direitos Humanos do MP-BA, Márcia Teixeira, será feita apuração do caso, a fim de se analisar a possibilidade de uma abertura de inquérito civil contra a instituição.

A promotora afirma que estimular a violência é um crime previsto no Código Penal (Artigo 286), apesar de o pastor Milton França insistir que "não tem lei que tire essa placa daí".

O posicionamento do pastor mostra como líderes religiosos usam os ensinamentos bíblicos de maneira desonesta para justificar suas atitudes discriminatórias. Os recortes e as interpretações direcionadas, supervalorizando determinados trechos, servem a esses fundamentalistas como formas eficientes de controle dos fieis.
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Uma busca na internet pelo trecho copiado pelo pastor Milton França, oferece uma outra tradução, de significado semelhante:
Quando também um homem se deitar com outro homem, como com mulher, ambos fizeram abominação; certamente morrerão; o seu sangue será sobre eles.Levítico 20:13-13 
O livro do Levítico tem um contexto bastante específico, por relatar o sistema de leis que Moisés transmitiu ao povo de Israel, tendo as recebido de Deus. Nele constam sacrifícios, ofertas, pecados, regras morais, comportamentais e de alimentação, religiosas e festivas que governariam o povo. Sendo assim, normas como reservar os sábados, não consumir nenhuma comida que tenha sido guardada há três dias ou mais, não oprimir, não roubar, não mentir, não guardar ira contra o próximo, não misturar sementes ao semear, não usar roupas com tecidos misturados, não praticar adultério e assim por diante.

É importante levar em consideração que A Bíblia, como texto, foi produzida em um determinado período e não está isenta de um contexto. Soma-se a isso a questão linguística: ela foi escrita em três idiomas diferentes, aramaico, hebraico e grego, tendo ainda vocábulos emprestados do latim. Segundo o Reverendo Márcio Retamero (no documentário "Bíblia e homossexualidade: exegese e hermenêutica", de 2012), o Antigo Testamento foi escrito em hebraico e o Novo Testamento em grego, sendo que a geração de Santo Agostinho fazia a leitura da Bíblia em grego – idioma no qual o próprio Agostinho revelou em seus textos ter dificuldade. Foi Agostinho, especificamente, quem passou a associar o termo "sodomita" a indivíduos que praticassem atos sexuais "não naturais" (além do sexo anal, isso incluiria também sexo oral ou qualquer outro ato que não fosse a penetração "tradicional").

O fundamentalismo religioso, linha de pensamento seguida por muitas igrejas evangélicas no Brasil, é um fenômeno recente, da segunda metade do século XX, que emergiu nos Estados Unidos em reação ao método histórico-crítico de leitura da Bíblia. A proposta de retorno aos fundamentos das escrituras fundamenta-se em uma leitura literal, contudo, essa interpretação parece só se aplicar a trechos deliberadamente escolhidos, ao passo que outras passagens são analisadas de maneira contextual.

Fundamentalistas, por exemplo, falam literalmente da condenação à homossexualidade citada em Levítico, mas não fazem a mesma interpretação literal para o impedimento de se aparar a barba, o consumo de carne de porco, o apedrejamento à mulher que engravida antes do casamento, entre outras coisas expressas no mesmo livro - muitas delas devendo ser, inclusive, punidas com a morte por apedrejamento.

Curiosamente, o trecho em questão condena o ato entre homens, mas nem sequer menciona mulheres - ou seja, a abominação não se estende às lésbicas. Uma justificativa para o estabelecimento dessa regra em específico, seria o fato de relações sexuais entre homens fazerem parte de rituais pagãos - quando uma mulher não engravidava, ela seria considerada a primeira responsável por sua falta de fertilidade e, como tratamento, deveria manter relações com o sacerdote; no caso de o ritual não funcionar, isso indicaria que o homem, e não a mulher, teria problemas de fertilidade e, por esse motivo, ele então deveria ter uma relação sexual com o sacerdote.

Ministério Público Federal afirma que projeto "Escola Sem Partido" é inconstitucional



A tentativa de cercear a liberdade docente, por meio da restrição de como professores e profissionais da educação devem agir, vem acontecendo já há algum tempo e, no dia 17 de julho, o Senado lançou uma consulta popular através do portal e-Cidadania a respeito do Projeto de Lei 193, de autoria do senador Magno Malta (PR-ES), integrante da bancada evangélica, que inclui o programa que ficou conhecido como "Escola Sem Partido" na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Há ainda um Projeto de Lei tramitando na Câmara, de autoria do deputado federal Izalci Lucas (PSDB-DF), o PL 867/2015.

Em nota técnica, encaminha na sexta-feira, 22 de julho, ao Congresso Nacional, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal (MPF), aponta a inconstitucionalidade do Projeto 867/2015.

Deborah Duprat, procuradora federal dos Direitos do Cidadão e redatora da nota, escreveu que o projeto "nasce marcado pela inconstitucionalidade", justificando que o artigo 205 da Constituição Federal coloca, como objetivo primeiro da educação, o pleno desenvolvimento das pessoas e a sua capacitação para o exercício da cidadania - o que envolveria a abordagem de temas socioculturais, do respeito às diferenças e o estímulo à participação ativa na promoção de melhoras para a sociedade de maneira geral. "Essa ordem de ideias não é fortuita. Ela se insere na virada paradigmática produzida pela Constituição de 1988, de que a atuação do Estado pauta-se por uma concepção plural da sociedade nacional. Apenas uma relação de igualdade permite a autonomia individual, e esta só é possível se se assegura a cada qual sustentar as suas muitas e diferentes concepções do sentido e da finalidade da vida", afirmou Duprat.

A nota argumenta ainda que o Escola sem Partido coloca o professor "sob constante vigilância, principalmente para evitar que afronte as convicções morais dos pais", além de confundir a educação escolar com aquela que é dada pelos pais, misturando o público e o privado de forma danosa.

À primeira vista, o projeto dá a impressão de se tratar de uma busca por melhoras no sistema educacional, de forma a impedir uma doutrinação ideológica em sala de aula, algo bastante válido se encararmos a proposta isoladamente. Contudo, o texto contém uma série de incoerências que ficam ainda mais evidentes quando levamos em conta o posicionamento dos defensores da chamada "Escola Sem Partido".

Um grande problema, que o movimento em questão ignora, está no fato de muitos políticos o defenderem justamente para fazer valer seu próprio viés ideológico.

De acordo com o PL 867/2015, ficaria estabelecido que:

Art. 2º. A educação nacional atenderá aos seguintes princípios:
I - neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado;
II - pluralismo de ideias no ambiente acadêmico;
III - liberdade de aprender, como projeção específica, no campo da educação, da liberdade de consciência;
IV - liberdade de crença;
V - reconhecimento da vulnerabilidade do educando como parte mais fraca na relação de aprendizado;
VI - educação e informação do estudante quanto aos direitos compreendidos em sua liberdade de consciência e de crença;
VII - direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.
Art. 3º. São vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes.
A noção de neutralidade é, de fato, interessante, no entanto, o texto ignora completamente que algumas discussões ideológicas são necessárias para a formação crítica do pensamento e que, para fomentar o debate e estimular o aluno a formar sua própria opinião acerca de um assunto é preciso ensinar a respeito de correntes ideológicas e crenças - afinal, a única maneira de o indivíduo se posicionar contra uma linha de pensamento é conhecendo o que é pregado por ela.

Ademais, a abordagem de questões importantes como a desigualdade de gêneros, a homofobia, o racismo e o que leva às discrepâncias entre classes sociais e econômicas tem sido encarada como "doutrinação" a partir de uma distorção deliberada dos discursos de educadores e estudiosos desses temas.

Ainda conforme o projeto, o professor:
I - não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente política, ideológica ou partidária;
II - não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas;
III - não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas;
IV - ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, apresentará aos alunos, de forma justa, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito;
V - respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções;
VI - não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de terceiros, dentro da sala de aula.
Ora, se ao professor cabe apresentar "as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes", é necessário que ele aborde a necessidade, por exemplo, de trabalhadores participarem de manifestações e procurarem sindicatos para que tenham seus direitos garantidos.

É perigoso também que não haja uma delimitação precisa, no projeto, do limite entre expressão de opiniões e a tal doutrinação, o que pode levar um professor a ser legalmente processado simplesmente por divergir de um ponto de vista e expor seus argumentos em sala de aula, o que é bastante diferente de apresentar fatos de maneira parcial.

O projeto trata ainda do respeito às convicções dos pais dos alunos sem, contudo, estabelecer parâmetros que reconheçam a capacidade do educador a partir de sua formação. Para que os pais se oponham à ação do professor, eles precisam compreender o processo pedagógico e as motivações, já explicadas, do motivo de certos assuntos serem abordados em sala de aula.

Porém, o que temos visto com bastante frequência são pais que, sem acompanharem a vida escolar dos filhos, apenas procuram intervir quando lhes parece conveniente - e, sabemos, para os pais é bastante conveniente que seus próprios filhos não questionem suas crenças, algo que os jovens são capazes de fazer independentemente da função do professor, que acaba levando a "culpa" por dar ao filho um instrumento poderoso que é a argumentação.

Em maio, o MEC já havia se posicionado contra essa movimentação que tem acontecido para se controlar o ensino, mas uma reunião recente entre o presidente interino Michel Temer e uma comitiva de pastores levou o governante a se comprometer com a revisão da atuação do MEC, mostrando-se favorável a essa grupo que procura basear a educação em seus preceitos religiosos e moralistas.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

ANTES DA CHEGADA DOS CRISTÃOS EUROPEUS, NATIVOS NORTE-AMERICANOS RECONHECIAM 5 GÊNEROS

Com a conversão forçada ao cristianismo, foi imposto também o sistema que só reconhece os gêneros masculino e feminino.


[Nota: O artigo original foi publicado no Blasting News, por mim, em 29 de junho. Esta é uma versão que revisei e ampliei, devido à grande repercussão do texto.]

Muitos conservadores continuam a insistir em uma "ideologia de gênero" que negaria a "natureza" humana ao afirmar que os gêneros são culturalmente construídos. Para eles, só existiriam dois gêneros, correspondentes aos sexos "masculino" e "feminino", algo que já estaria determinado por "Deus" antes do nascimento.
No entanto, a ideia restrita dos papéis de gênero como a conhecemos hoje, baseada no binário homem/mulher, apenas foi incorporada pelas tribos norte-americanas após a chegada dos europeus, com a imposição das crenças cristãs.
A visão diferenciada dos gêneros, que existia em muitas comunidades indígenas, não apenas na América do Norte, mostra como a cultura de um povo influencia os papéis de gênero e a maneira como enxergamos as expressões e sexualidades de acordo com nossas crenças.
Para os nativos norte-americanos, havia um grupo de regras específicas que tanto homens quanto mulheres deveriam obedecer para que fossem considerados "normais" dentro de uma tribo. As pessoas que reuniam em si características femininas e masculinas eram vistas com reverência, pois se acreditava que tinham grande poder.
Segundo o site Indian Country Today, especializado em notícias sobre povos indígenas, entre os norte-americanos eram reconhecidos 5 gêneros diferentes: masculino, feminino, dois-espíritos masculino, dois-espíritos feminino e o que hoje chamaríamos de transgênero. As nomenclaturas são diferentes para cada tribo, de acordo com os dialetos, mas referem-se a identidades de gênero semelhantes.
A crença dos indígenas norte-americanos era a de que algumas pessoas nasciam com um espírito feminino e outro masculino que se expressavam perfeitamente em um mesmo corpo. Em geral, não havia questões morais nem hierárquicas associadas às expressões de gênero ou à sexualidade; uma pessoa era julgada pela sociedade conforme seu caráter e de acordo com o que contribuía para a tribo.
A maioria dos grupos indígenas tem palavras específicas para se referir aos membros de sua sociedade cujas expressões de gênero são variantes em relação ao binário normativo. 
Entre os índios Yuman, por exemplo, chama-se elxa o indivíduo que, nascido como do "sexo masculino", teria sofrido uma mudança em seu espírito, resultante de sonhos que tinham durante a puberdade. Chama-se kwe'rhame a pessoa que, nascida como do "sexo feminino", desde pequena brinca com artefatos masculinos e que, ao crescerem, apresentam características sexuais secundárias femininas subdesenvolvidas.
Os índios Cocopa chamam e L ha aos indivíduos do "sexo masculino" que desde bebê demonstram um "caráter feminino". Os war'hemeh, por sua vez, nascem como do "sexo feminino", mas brincam com meninos e aprendem a confeccionar arcos e flechas.
Entre os Mohave, garotos destinados a se tornarem xamãs costumavam colocar os pênis entre as pernas e se exibir como garotas, passando ainda por um ritual de iniciação aos 10 ou 11 anos de idade, em que o futuro xamã é publicamente vestido com uma saia e tem seu rosto pintado. Além dessa manifestação, reconheciam-se também as alyha (que insistiam inclusive que o pênis fosse chamado de clitóris) e os hwane.
Os Navaho usavam o termo nadlE para se referir a "travestis" e hermafroditas.  
Desde 1989, nativo-americanos que militavam pela diversidade sexual e de gêneros resgataram o termo "dois-espíritos" (em inglês, two-spirit) para reafirmar sua identidade trans. Assim, "dois-espíritos" passou a ser uma expressão universal para identificar nativos e seus descendentes, que se considerassem transgênero, entre as tribos norte-americanas. 
Quando chegaram ao território norte-americano, exploradores que testemunharam a presença desses indivíduos que não se encaixavam no padrão binário do masculino e feminino consideraram aquilo um pecado, uma espécie de maldição que recaiu sobre aquelas comunidades por não se dedicarem ao cristianismo.
Estudos apontam que a existência de pessoas que hoje reconhecemos como transgêneros teria sido observada em quase todo o continente norte-americano. Vistos como homens efeminados que se travestiam, esses indivíduos foram chamados de "berdache" pelos colonizadores, termo que acabou sendo usado de forma genérica até mesmo por antropólogos e pesquisadores até o fim do século XX. Contudo, sua origem revela que se trata de uma denominação pejorativa: o termo é derivado do francês, "bardache", usado para se referir a homossexuais passivos e homens que se prostituíam.
A extinção das crenças nativas também aconteceu por todo o continente americano. Colonizadores espanhóis também se empenharam em destruir códices (manuscritos gravados em madeira) aztecas que mencionavam dois-espíritos e seus poderes mágicos. No Brasil, portugueses igualmente se esforçaram para erradicar as identidades de gêneros e comportamentos sexuais que hoje seriam considerados como transgeneridade e homossexualidade.
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Fontes:

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Ciclos de absurdos (ou "Dos machismos disfarçados de opinião")


Vocês se lembram de quando o Femen emergiu e uma série de protestos com mulheres sem camisa teve sequência? Pois bem, não levando em conta a história do Femen, mas de como os seios femininos são vistos como uma continuidade dos órgãos sexuais, defendo que a sexualização dos seios é muito mais cultural que biológica.

Enfim, eis que, em comentário às manifestações, um sujeito acha válido ironizar que os seios à mostra das ativistas estão caídos. Ora, o que um indivíduo desse tem como base para caracterizar seios caídos? No mínimo, seios com silicone, artificialmente firmes – e, daí, realmente, minha resposta foi pessoal: eu disse que ele nunca deve ter visto seios reais para dizer que os das manifestantes estavam caídos, afinal, a maior parte delas são de garotas jovens com os seios ainda “no lugar”.

Veja bem, ironizar seios caídos atinge diretamente a toda e qualquer mulher que os tenha. Eu mesma sofri uma adolescência inteira por enxergar meus seios como se fossem anormais, caídos, impossíveis de provocar desejo em qualquer outra pessoa. Foi isso que me levou à cirurgia plástica.

Porque internalizamos os padrões, é difícil ter consciência de que os seios mostrados em propagandas, novelas e filmes estão longe de representar uma realidade sujeita, por exemplo, a ações da gravidade e das mudanças corporais que vêm com o tempo.

Quando digo que a sexualização dos seios é mais cultural, refiro-me a como, em muitas outras culturas, os seios expostos não são encarados como um convite ao sexo. Uma mãe que amamenta precisa, para tal ato, expor seu seio – e não há nada de sexual nisso, bem como não há absolutamente nada de sexual no bebê que suga o mamilo da mãe para se alimentar.

Que a atração sexual passe pelo corpo inteiro e que ele tenha, então, potencial de provocar desejo de qualquer forma, tem, sim, algo de biológico. Contudo, o direcionamento do desejo é altamente cultural na medida em que se fala que “homem gosta de peito” ou “homem gosta de bunda” – pois esse tipo de afirmação legitima uma sexualidade masculina incapaz de se controlar diante do instinto, mesmo instinto que, quando a mulher se deixa levar por ele, é prontamente condenada.

Quando o homem usa de exceções para dar exemplos de como, para ele, o feminismo é repleto de exageros, ele ofende às mulheres que vivem dentro de uma “regra”, a qual as sujeita a inúmeras dificuldades. Aqui entramos com a cultura do estupro.


É mais comum que uma mulher estuprada seja desdenhada quandofaz a denúncia do que adequadamente atendida, principalmente no caso de mulheres sócio-economicamente desfavorecidas. Se algumas mulheres acusam falsamente um homem de estupro, é óbvio que o fazem de má fé, mas não é essa a regra. 

Entre mulheres que denunciam abuso sexual, a maioria está dizendo a verdade – até porque, para uma mulher, denunciar o estupro é, por si só, vergonhoso, e ela só o fará se tiver convicção – e, portanto, o questionamento, por parte do delegado ou do investigador de que o estupro realmente teria ocorrido leva inclusive a atrasos na investigação – quando não há uma investigação já tendenciosa por conta do pré-julgamento do próprio oficial.

Vale lembrar que, segundo pesquisas realizadas no Reino Unido, um homem tem mais chances de ser estuprado do que falsamente acusado de estupro.

Aos que se protegem com o “direito à opinião”, é preciso que estejam atentos para até que ponto sua opinião não cruza a linha da invalidação de uma luta ou até mesmo de uma situação sobre a qual você, mesmo como detentor da opinião, não tem conhecimento algum. Afinal, opiniões não são validações científicas se você não é um especialista na área sobre a qual está opinando.

segunda-feira, 9 de maio de 2016

UFLA e a discriminação

[Nota prévia: Vini, obrigada por ser quem é!]

No dia 5 de maio, quinta-feira, Pablo Gabriel Galiza Barbosa, estudante do curso de Química da UFLA (Universidade Federal de Lavras) vestiu-se com uma camiseta customizada e uma saia preta longa para ir à faculdade. Lá, foi interpelado pelo segurança, que afirmou que a maneira como Pablo estava vestido era um trote e que, devido às políticas da instituição ele não poderia assistir às aulas usando aquelas roupas.

Mesmo depois de Pablo ter afirmado, com todas as letras, que aquela era a forma como se vestia normalmente, e que não havia relação alguma com brincadeiras aplicadas por universitários, o segurança se recusou a permitir que ele permanecesse na faculdade, chegando ao ponto de acionar a Polícia Militar lotada no campus para que abordasse o aluno.

Ainda que Pablo insistisse no fato de que havia escolhido sua roupa e que aquela era uma opção de seu cotidiano, a PM lhe fez ler o regimento interno, em que constavam as políticas da universidade a respeito do trote.

Claramente, nem o segurança nem a PM estavam dispostos a ouvir o que o universitário tinha a dizer. Pablo foi encaminhado para conversar com o pró-reitor, que não estava presente e, porque no momento, compreensivelmente, encontrava-se nervoso, foi levado à sala da psicóloga da universidade. No entanto, o segurança que interpelara o aluno adentrou com ele na sala para dar sua versão dos fatos. Pela terceira vez, Pablo foi silenciado.

Os atos do segurança revelam como a questão da discriminação não é levada a sério quando ocorre pontualmente e de maneira velada. O critério utilizado para vetar a entrada do aluno é baseado em princípios preconceituosos, como é possível notar ainda na fala do reitor, José Roberto Scolforo, em entrevista para a EPTV. Segundo afirmou, "A pessoa veio fora de um padrão considerado por ele razoável observando as normas e, portanto, ele de uma forma extremamente cortês considerou que aquilo ali não era uma vestimenta adequada".

Podemos inferir que um padrão considerado razoável pelo segurança passa pela lógica que divide roupas entre “femininas” e “masculinas”, mas não é esse o maior problema na atitude do funcionário. A tentativa de imposição de sua percepção, segundo alunos da faculdade que conhecem Pablo e acompanharam o desenrolar da situação, foi de intimidação e silenciamento do garoto.

Se o trabalho do segurança é o de cumprir ordens da instituição e obedecer às regras, isso não pode ser feito com violação da dignidade de qualquer aluno. Ademais, ao acionar a Polícia Militar, o segurança excedeu sua função, pois somente a reitoria é autorizada a isso.

A indignação de Pablo e das demais pessoas que protestaram nas dependências da universidade é, antes, causada pelo cerceamento da expressão de identidades dentro de um local em que a liberdade deveria prevalecer.


Um grupo de 5 estudantes conversou com o reitor após o ocorrido, estabelecendo alguns acordos, conforme relatado pelo Vinícius Lucas de Carvalho, estudante do mestrado da UFLA e militante pelos direitos LGBTTTQIA+. Reproduzo, aqui, suas próprias palavras, após segunda matéria (tendenciosa) veiculada na EPTV, filial da Rede Globo de Lavras:

sexta-feira, 6 de maio de 2016

MEC publica nota de repúdio às tentativas de "cercear os princípios e fins da educação"


Em nota pública, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) se posiciona em relação ao que considera uma busca por "cercear os princípios e fins da educação nacional", criticando, especificamente, os "documentos autodenominados “notificações extrajudiciais contra o ensino de ‘ideologia de gênero’ nas escolas”; a recomendação do Ministério Público de Goiás (MPF/GO) a 39 órgãos e autarquias federais (incluindo universidades e institutos federais instalados no estado de Goiás), para que não sejam realizados atos políticos dentro das suas dependências físicas; e o Projeto de Lei aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas que institui, no âmbito do sistema estadual de ensino, o “Programa Escola Livre”, o qual, verdadeiramente, tenta anular princípios educacionais consagrados pela Constituição Federal de 1988 e reafirmados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996)".

A movimentação contra a chamada "ideologia de gênero" levou à publicação de um modelo de notificação extrajudicial em que a família do aluno poderia notificar a escola de seu posicionamento contra o ensino de questões relativas a gênero e diversidade sexual - basicamente, uma prévia ameaça de processo à escola. O posicionamento contra uma suposta "ideologia de gênero" significa uma resistência a se tolerar a diversidade como um todo, ensinamento que deveria ser obrigatório nas escolas e que foi determinado com o Plano Nacional de Educação.
A recomendação do Ministério Público de Goiás para que não sejam promovidos atos político-partidários a respeito do impeachment visa à inibição de debates políticos, afetando diretamente a universidade, local em que ocorreriam com maior frequência. A liberdade de se debater questões políticas na universidade é essencial, sendo seu cerceamento uma grande contradição, além de se tratar de uma tentativa de desvirtuar o papel da educação como um todo.
Em Belo Horizonte, uma decisão judicial proibiu alunos da UFMG de se reunir para debater a questão do impeachment, no dia 29 de abril, impedindo a sessão que ocorreria no CAAPS (Centro Acadêmico Afonso Pena), prédio do curso de Direito da universidade. A decisão concedendo a liminar foi tomada pela juíza Moema Miranda Gonçalves após ação movida por dois dos alunos, sob justificativa de "aparelhamento partidário".
Ainda em Minas, o projeto de lei do vereador Marcos Vinícius, do PROS, em Divinópolis, visava à proibição da distribuição exposição e divulgação de material didático contendo manifestações da "ideologia de gênero" nas escolas municipais. 
O Projeto de Lei aprovado em Alagoas é mais um exemplo de como políticos confundem a necessidade de formação de pensamento crítico com um doutrinamento ideológico, ignorando, aliás, que não existe discurso completamente isento de ideologias, por mais neutro que ele possa parecer.
Quando se colocam contra o ensino e o incentivo para que alunos debatam a respeito das diversidades sociais (não somente no âmbito sexual), reafirmam a continuidade do preconceito e da discriminação e, ainda pior, autorizam judicialmente que pais promovam a criação dos filhos baseados em ideias intolerantes e altamente equivocadas - as quais configuram, por si só, intensa violência simbólica contra as crianças consideradas "diferentes", que não se encaixam em modelos impostos de normalidade.
Conforme explica o próprio MEC, "Um professor, ao abordar o preconceito e trabalhar o desenvolvimento de uma cultura de paz, respeito e tolerância em sala de aula, cumpre os objetivos fundamentais da Constituição Federal, que pretende garantir um Brasil sem discriminação. Não há dúvidas de que os professores brasileiros possuem a formação necessária para essa tarefa".
A existência de projetos e manifestações como as exemplificadas aqui indicam como o avanço do conservadorismo não é algo pontual. Trata-se de uma movimentação que conta com grande número de apoiadores e pode verdadeiramente inibir o avanço social de demandas das minorias.
As justificativas para se posicionar contra a instituição de programas sociais nas escolas são padronizadas e pautadas no escudo da "opinião". Para os pais que não aceitam o ensino, por exemplo, de educação sexual, predomina a opinião de que, para eles, não é bom que seus filhos aprendam sobre sexualidade. 
A formação de seu ponto de vista está baseada em ideias como a de que, do ponto de vista da sexualidade, professores vão estimular seus filhos a "se tornarem" homossexuais ou, em relação ao gênero, que será pregado que cada indivíduo pode escolher seu gênero conforme bem entender, pois ninguém nasce homem ou mulher. Deixam, assim, de perceber questões simples como o fato de que uma garota nascer com vagina, por exemplo, não determina se ela vai gostar de rosa ou ser delicada - e, principalmente, que determinarem o gosto pessoal e o comportamento de seus filhos com base em seu sexo biológico pode ser prejudicial a longo prazo.
 O grande problema é que, ao se apegarem a concepções inexistentes, acreditando que se trata de uma interpretação correta sobre o tema, acabam por ignorar por completo a condição transgênero como realmente é.
Construir uma argumentação com base em percepções definitivamente erradas revela como não existe uma preocupação, seja por parte dos líderes e representantes conservadores, seja por parte dos pais, de sequer conhecer as percepções por trás dos estudos de gênero e sexualidade.
 Além do mais, defendem a não aplicação de certas temáticas em sala de aula a partir da afirmação de que professores e outros profissionais da educação não deveriam dizer aos pais como "educar seus filhos" (expressão que tenho visto com frequência). Confundem, deliberada ou equivocadamente, o âmbito privado com o público, sobrepondo a função dos pais à do educador, a quem entregam, bem, a educação de seus filhos.
Os defensores dessa política conservadora usam sua vida familiar como métrica para opinar no funcionamento de instituições educacionais, dentro das quais a criança tem seu primeiro contato com uma sociedade externa ao núcleo de sua própria casa e, consequentemente, com as diferenças de cada sujeito. Deixam, ainda, de levar em conta que delegam ao sistema educacional grande parte da experiência de vida de seus filhos enquanto crescem, por vezes sem acompanhamento algum desses pais que, em discurso, tanto se preocupam com o que o filho irá aprender - mas que, na prática, raramente seguem os passos da criança dentro do ambiente escolar.