quinta-feira, 14 de julho de 2016

ANTES DA CHEGADA DOS CRISTÃOS EUROPEUS, NATIVOS NORTE-AMERICANOS RECONHECIAM 5 GÊNEROS

Com a conversão forçada ao cristianismo, foi imposto também o sistema que só reconhece os gêneros masculino e feminino.


[Nota: O artigo original foi publicado no Blasting News, por mim, em 29 de junho. Esta é uma versão que revisei e ampliei, devido à grande repercussão do texto.]

Muitos conservadores continuam a insistir em uma "ideologia de gênero" que negaria a "natureza" humana ao afirmar que os gêneros são culturalmente construídos. Para eles, só existiriam dois gêneros, correspondentes aos sexos "masculino" e "feminino", algo que já estaria determinado por "Deus" antes do nascimento.
No entanto, a ideia restrita dos papéis de gênero como a conhecemos hoje, baseada no binário homem/mulher, apenas foi incorporada pelas tribos norte-americanas após a chegada dos europeus, com a imposição das crenças cristãs.
A visão diferenciada dos gêneros, que existia em muitas comunidades indígenas, não apenas na América do Norte, mostra como a cultura de um povo influencia os papéis de gênero e a maneira como enxergamos as expressões e sexualidades de acordo com nossas crenças.
Para os nativos norte-americanos, havia um grupo de regras específicas que tanto homens quanto mulheres deveriam obedecer para que fossem considerados "normais" dentro de uma tribo. As pessoas que reuniam em si características femininas e masculinas eram vistas com reverência, pois se acreditava que tinham grande poder.
Segundo o site Indian Country Today, especializado em notícias sobre povos indígenas, entre os norte-americanos eram reconhecidos 5 gêneros diferentes: masculino, feminino, dois-espíritos masculino, dois-espíritos feminino e o que hoje chamaríamos de transgênero. As nomenclaturas são diferentes para cada tribo, de acordo com os dialetos, mas referem-se a identidades de gênero semelhantes.
A crença dos indígenas norte-americanos era a de que algumas pessoas nasciam com um espírito feminino e outro masculino que se expressavam perfeitamente em um mesmo corpo. Em geral, não havia questões morais nem hierárquicas associadas às expressões de gênero ou à sexualidade; uma pessoa era julgada pela sociedade conforme seu caráter e de acordo com o que contribuía para a tribo.
A maioria dos grupos indígenas tem palavras específicas para se referir aos membros de sua sociedade cujas expressões de gênero são variantes em relação ao binário normativo. 
Entre os índios Yuman, por exemplo, chama-se elxa o indivíduo que, nascido como do "sexo masculino", teria sofrido uma mudança em seu espírito, resultante de sonhos que tinham durante a puberdade. Chama-se kwe'rhame a pessoa que, nascida como do "sexo feminino", desde pequena brinca com artefatos masculinos e que, ao crescerem, apresentam características sexuais secundárias femininas subdesenvolvidas.
Os índios Cocopa chamam e L ha aos indivíduos do "sexo masculino" que desde bebê demonstram um "caráter feminino". Os war'hemeh, por sua vez, nascem como do "sexo feminino", mas brincam com meninos e aprendem a confeccionar arcos e flechas.
Entre os Mohave, garotos destinados a se tornarem xamãs costumavam colocar os pênis entre as pernas e se exibir como garotas, passando ainda por um ritual de iniciação aos 10 ou 11 anos de idade, em que o futuro xamã é publicamente vestido com uma saia e tem seu rosto pintado. Além dessa manifestação, reconheciam-se também as alyha (que insistiam inclusive que o pênis fosse chamado de clitóris) e os hwane.
Os Navaho usavam o termo nadlE para se referir a "travestis" e hermafroditas.  
Desde 1989, nativo-americanos que militavam pela diversidade sexual e de gêneros resgataram o termo "dois-espíritos" (em inglês, two-spirit) para reafirmar sua identidade trans. Assim, "dois-espíritos" passou a ser uma expressão universal para identificar nativos e seus descendentes, que se considerassem transgênero, entre as tribos norte-americanas. 
Quando chegaram ao território norte-americano, exploradores que testemunharam a presença desses indivíduos que não se encaixavam no padrão binário do masculino e feminino consideraram aquilo um pecado, uma espécie de maldição que recaiu sobre aquelas comunidades por não se dedicarem ao cristianismo.
Estudos apontam que a existência de pessoas que hoje reconhecemos como transgêneros teria sido observada em quase todo o continente norte-americano. Vistos como homens efeminados que se travestiam, esses indivíduos foram chamados de "berdache" pelos colonizadores, termo que acabou sendo usado de forma genérica até mesmo por antropólogos e pesquisadores até o fim do século XX. Contudo, sua origem revela que se trata de uma denominação pejorativa: o termo é derivado do francês, "bardache", usado para se referir a homossexuais passivos e homens que se prostituíam.
A extinção das crenças nativas também aconteceu por todo o continente americano. Colonizadores espanhóis também se empenharam em destruir códices (manuscritos gravados em madeira) aztecas que mencionavam dois-espíritos e seus poderes mágicos. No Brasil, portugueses igualmente se esforçaram para erradicar as identidades de gêneros e comportamentos sexuais que hoje seriam considerados como transgeneridade e homossexualidade.
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Fontes: