sexta-feira, 6 de maio de 2016

MEC publica nota de repúdio às tentativas de "cercear os princípios e fins da educação"


Em nota pública, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) se posiciona em relação ao que considera uma busca por "cercear os princípios e fins da educação nacional", criticando, especificamente, os "documentos autodenominados “notificações extrajudiciais contra o ensino de ‘ideologia de gênero’ nas escolas”; a recomendação do Ministério Público de Goiás (MPF/GO) a 39 órgãos e autarquias federais (incluindo universidades e institutos federais instalados no estado de Goiás), para que não sejam realizados atos políticos dentro das suas dependências físicas; e o Projeto de Lei aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas que institui, no âmbito do sistema estadual de ensino, o “Programa Escola Livre”, o qual, verdadeiramente, tenta anular princípios educacionais consagrados pela Constituição Federal de 1988 e reafirmados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996)".

A movimentação contra a chamada "ideologia de gênero" levou à publicação de um modelo de notificação extrajudicial em que a família do aluno poderia notificar a escola de seu posicionamento contra o ensino de questões relativas a gênero e diversidade sexual - basicamente, uma prévia ameaça de processo à escola. O posicionamento contra uma suposta "ideologia de gênero" significa uma resistência a se tolerar a diversidade como um todo, ensinamento que deveria ser obrigatório nas escolas e que foi determinado com o Plano Nacional de Educação.
A recomendação do Ministério Público de Goiás para que não sejam promovidos atos político-partidários a respeito do impeachment visa à inibição de debates políticos, afetando diretamente a universidade, local em que ocorreriam com maior frequência. A liberdade de se debater questões políticas na universidade é essencial, sendo seu cerceamento uma grande contradição, além de se tratar de uma tentativa de desvirtuar o papel da educação como um todo.
Em Belo Horizonte, uma decisão judicial proibiu alunos da UFMG de se reunir para debater a questão do impeachment, no dia 29 de abril, impedindo a sessão que ocorreria no CAAPS (Centro Acadêmico Afonso Pena), prédio do curso de Direito da universidade. A decisão concedendo a liminar foi tomada pela juíza Moema Miranda Gonçalves após ação movida por dois dos alunos, sob justificativa de "aparelhamento partidário".
Ainda em Minas, o projeto de lei do vereador Marcos Vinícius, do PROS, em Divinópolis, visava à proibição da distribuição exposição e divulgação de material didático contendo manifestações da "ideologia de gênero" nas escolas municipais. 
O Projeto de Lei aprovado em Alagoas é mais um exemplo de como políticos confundem a necessidade de formação de pensamento crítico com um doutrinamento ideológico, ignorando, aliás, que não existe discurso completamente isento de ideologias, por mais neutro que ele possa parecer.
Quando se colocam contra o ensino e o incentivo para que alunos debatam a respeito das diversidades sociais (não somente no âmbito sexual), reafirmam a continuidade do preconceito e da discriminação e, ainda pior, autorizam judicialmente que pais promovam a criação dos filhos baseados em ideias intolerantes e altamente equivocadas - as quais configuram, por si só, intensa violência simbólica contra as crianças consideradas "diferentes", que não se encaixam em modelos impostos de normalidade.
Conforme explica o próprio MEC, "Um professor, ao abordar o preconceito e trabalhar o desenvolvimento de uma cultura de paz, respeito e tolerância em sala de aula, cumpre os objetivos fundamentais da Constituição Federal, que pretende garantir um Brasil sem discriminação. Não há dúvidas de que os professores brasileiros possuem a formação necessária para essa tarefa".
A existência de projetos e manifestações como as exemplificadas aqui indicam como o avanço do conservadorismo não é algo pontual. Trata-se de uma movimentação que conta com grande número de apoiadores e pode verdadeiramente inibir o avanço social de demandas das minorias.
As justificativas para se posicionar contra a instituição de programas sociais nas escolas são padronizadas e pautadas no escudo da "opinião". Para os pais que não aceitam o ensino, por exemplo, de educação sexual, predomina a opinião de que, para eles, não é bom que seus filhos aprendam sobre sexualidade. 
A formação de seu ponto de vista está baseada em ideias como a de que, do ponto de vista da sexualidade, professores vão estimular seus filhos a "se tornarem" homossexuais ou, em relação ao gênero, que será pregado que cada indivíduo pode escolher seu gênero conforme bem entender, pois ninguém nasce homem ou mulher. Deixam, assim, de perceber questões simples como o fato de que uma garota nascer com vagina, por exemplo, não determina se ela vai gostar de rosa ou ser delicada - e, principalmente, que determinarem o gosto pessoal e o comportamento de seus filhos com base em seu sexo biológico pode ser prejudicial a longo prazo.
 O grande problema é que, ao se apegarem a concepções inexistentes, acreditando que se trata de uma interpretação correta sobre o tema, acabam por ignorar por completo a condição transgênero como realmente é.
Construir uma argumentação com base em percepções definitivamente erradas revela como não existe uma preocupação, seja por parte dos líderes e representantes conservadores, seja por parte dos pais, de sequer conhecer as percepções por trás dos estudos de gênero e sexualidade.
 Além do mais, defendem a não aplicação de certas temáticas em sala de aula a partir da afirmação de que professores e outros profissionais da educação não deveriam dizer aos pais como "educar seus filhos" (expressão que tenho visto com frequência). Confundem, deliberada ou equivocadamente, o âmbito privado com o público, sobrepondo a função dos pais à do educador, a quem entregam, bem, a educação de seus filhos.
Os defensores dessa política conservadora usam sua vida familiar como métrica para opinar no funcionamento de instituições educacionais, dentro das quais a criança tem seu primeiro contato com uma sociedade externa ao núcleo de sua própria casa e, consequentemente, com as diferenças de cada sujeito. Deixam, ainda, de levar em conta que delegam ao sistema educacional grande parte da experiência de vida de seus filhos enquanto crescem, por vezes sem acompanhamento algum desses pais que, em discurso, tanto se preocupam com o que o filho irá aprender - mas que, na prática, raramente seguem os passos da criança dentro do ambiente escolar.