sexta-feira, 29 de abril de 2016

Luana, negra, pobre e lésbica, morre após ser espancada por PMs


Luana Barbosa dos Reis Santos, de 34 anos, ao levar o filho de 14 anos à aula, em Ribeirão Preto, parou para cumprimentar um amigo que estava num bar. Parada na esquina da rua onde morava, no bairro Jardim Paiva II, localizado na periferia da cidade, foi abordada e espancada por policiais.
De repente, gritos e tiros tomaram conta do local na noite de 8 de abril, e uma vizinha se apressou a avisar os familiares: “Corre que eles vão matar a Luana”. 
As versões de como tudo começou variam. Segundo a própria Luana, em vídeo gravado logo após as agressões, os policiais a mandaram abaixar a cabeça e colocar as mãos para trás. Ao pedir que a revista fosse feita por uma policial mulher e não ter seus direitos respeitados, Luana se recusou a deixar que o procedimento continuasse e foi aí que as agressões começaram. O vídeo com o relato de Luana contém cenas fortes:

Depois de algemada, Luana recebeu um soco e um chute, além de apanhar repetidas vezes com cassetetes e até mesmo com seu próprio capacete. De acordo com testemunhas, policiais chutaram Luana para fazê-la abrir as pernas e ela caiu no chão.  Ao se levantar, deu um soco em um dos policiais e chutou o pé de outro, o que levou as agressões a se intensificarem.
Após o espancamento, os PMs entraram na casa dos familiares, alguns escoltando o filho de Luana e perguntando se ela usava ou traficava drogas, se roubava, no que trabalhava. Revistaram o quarto dela, bem como objetos de outros familiares.
Ela teria sido levada à delegacia apenas de top e cueca, com os olhos inchados, marcas pelo corpo, principalmente na região do abdômen. Segundo um familiar entrevistado pela Ponte Jornalismo, ela vomitava muito e precisou de ajuda para assinar os termos que ela mal conseguia ler, por conta do inchaço nos olhos e porque cambaleava.
Somente depois de prestar declaração, foi leva à Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas, onde permaneceu internada, mas faleceu 5 dias depois devido a uma isquemia cerebral aguda causada por traumatismo crânio-encefálico.
Os policiais relatam que a abordagem se deu porque Luana era suspeita de estar pilotando uma moto roubada. Conforme consta no documento oficial da delegacia, os PMs alegam terem sido desacatados e agredidos pela mulher, que estava "descontrolada".
Emdeclaração ao G1, o tenente coronel da PM, Francisco Mango Neto, nega quetenha havido excessos na abordagem e completa: "Na realidade foi para contê-la. Tanto que os policiais estavam muito mais lesionados, com cortes, e ela não. Ela foi íntegra para a delegacia, lá foi solicitado exame de corpo de delito, o qual ela deveria passar". Sobre a morte, disse que ainda seria preciso uma apuração: "Vamos apurar se esse AVE ela teve por lesão ou se teve por um outro motivo, como drogas, anabolizantes, porque ela era uma lutadora de arte marcial, bem forte".
Os suspeitos da agressão de Luana, Douglas Luiz de Paula, Fábio Donizeti Pultz e André Donizeti Camilo, do 51º Batalhão da corporação, estão sendo investigados. Procurados pela Ponte Jornalismo, não quiseram dar declarações sobre o caso.
Trata-se de uma situação recorrente no Brasil: pobre e negra, Luana havia deixado a prisão em 2009, quando foi acusada de porte de arma e roubo. A irmã Roseli, professora, conta que desde então ela havia dado continuidade aos estudos e estava trabalhando como faxineira, garçonete e vendedora. Seu passado e sua identidade fizeram com que Luana estivesse vulnerável à violência policial.
Indignada, a irmã desabafou à Ponte Jornalismo: “Ela não pode refazer a vida? Ela não tem mais direitos e nem é ser humano por ter passagem? Não tinha nenhuma acusação contra ela. Estão tentando usar o fato de ela já ter tido passagem para convencer a opinião publica de que foi merecido. Que bandido bom é bandido morto. Por que não levaram ela presa pelo desacato? Por que fizeram tudo isso com ela? Ela já estava rendida, não tinha necessidade disso".



quinta-feira, 14 de abril de 2016

A transfobia continua e a culpa é de todos


Na segunda-feira eu publiquei uma notícia sobre como a transfobia não parte só das pessoas que agridem fisicamente um indivíduo trans, mas também daquelas que fazem comentários preconceituosos mascarados como "opiniões".

Agora, a YouTuber Mandy Candy expôs mais exemplos - ainda piores - de como o ódio deliberado a pessoas transgênero é propagado pela rede. E se o teor dos comentários já nos incomoda por si só, imagine como é para alguém que lê (ou ouve) esse tipo de coisa diariamente...

Em um vídeo extremamente corajoso, ela revelou sobre sua cirurgia de redesignação e explicou, de forma bastante clara, sua necessidade de passar pelo procedimento e como se sentia antes dele.
Não faltaram comentários afirmando que ela havia se mutilado, que é um absurdo o SUS oferecer essa cirurgia, que ela precisa de tratamento psicológico porque é doente...

A questão é que as pessoas não precisam ser favoráveis à transgeneridade ou até aceitar conviver com alguém trans intimamente. Mas compreender o sofrimento desses indivíduos e procurar exercer alguma tolerância por saber que se trata de uma condição sobre a qual eles/as não têm controle é o mínimo que se espera de um indivíduo com qualquer resquício de bom senso.

É certo que as ciências e a medicina ainda não descobriram todos os fatores envolvidos na transgeneridade (na verdade, não descobriram nem mesmo os fatores envolvidos na identidade de maneira geral), mas há um número considerável de pesquisas que oferecem uma prova da existência dessa condição a nível biológico. Sendo assim, não se trata de "acreditar" ou não que uma pessoa se identifique como alguém do outro gênero, pois a existência dessa pessoa já foi comprovada e legitimada cientificamente - e numa sociedade em que as ciências são vistas como discursos inquestionáveis, isso é muito importante.

Para que alguém chegue a passar pela cirurgia de redesignação genital, é certo que já tentaram tratamentos psicológicos, psiquiátricos (pelo menos aquelas pessoas que têm condição para tanto) e passaram muito tempo se perguntando se a decisão pelo procedimento era o certo a se fazer. Por ser uma cirurgia grande, complexa, a recuperação é longa e requer muito cuidado, um dos muitos motivos que levam pessoas trans a não desejar passar pela redesignação.

Vale lembrar também que não existem apenas dois tipos de genitais - esses dois tipos, o pênis e a vagina, são o que a ciência usa como modelo. Há casos múltiplos de genitais intersexo e o motivo de afirmarmos que as classificações "homem" e "mulher" não pode ser restrita à aparência do órgão sexual externo tem relação com essa impossibilidade de se apontar, em certos casos, se a pessoa é de fato "homem" ou "mulher". Isso sem falar em toda a simbologia social atrelada aos "sexos" sem qualquer base na biologia.

Sobre a dor e o sofrimento pelo qual passam essas pessoas que não podem se enxergar em seu próprio corpo, certamente a Mandy pode falar melhor que eu: