domingo, 7 de junho de 2015

Tatuados e preconceituosos - parte 2

Em setembro do ano passado eu publiquei aqui um texto sobre o preconceito dentro da própria comunidade de adeptos das modificações corporais. Acho extremamente irônico como muitas pessoas que sofrem com o preconceito não se importam em lutar contra ele e, não raro, acabam por propaga-lo ou reforça-lo ainda mais.

Desta vez, a manifestação de preconceito de um tatuador foi direcionada à comunidade LGBT. Novamente, trata-se de alguém sujeito à discriminação social que, nem por isso, preocupa-se em deixar de discriminar outros grupos.


Infelizmente, o comentário do tal tatuador não me surpreende. O meio dos adeptos à tatuagem tem uma certa reputação como machista, ainda que muito tenha mudado nos últimos anos. Não há muito tempo que tatuadoras eram tratadas com pouco respeito por profissionais e tatuados, e ainda acontece de indivíduos se recusarem a ser tatuados por mulheres, por incrível que pareça.

Outra questão sobre a qual gostaria de chamar a atenção está no teor sarcástico do comentário do tatuador - afinal, um grupo oprimido adquirir direitos não significa que o grupo opressor perderá direitos; trata-se apenas de se nivelar a situação. Quando a união civil homossexual não era permitida, a união civil heterossexual era um privilégio detido por um grupo; ao se permitir que o homossexual tenha o mesmo privilégio de heterossexuais, ambos os grupos passam a ter uma igualdade de direito no âmbito em questão.

No meio LGBT talvez o grupo representado por homens homossexuais tenha se tornado mais visível - a começar pelo próprio uso mais frequente do termo "gay", como em "Parada Gay" - e por essa razão lésbicas, bissexuais e transgêneros vêm procurando dar mais ênfase a suas respectivas vozes. Daí a chamada publicada pelo Portal Terra.

Ao questionar se o heterossexual ainda teria os mesmos direitos o tatuador simplesmente mostra como tendemos a enxergar nossos próprios umbigos. Ora, heterossexuais sempre tiveram seus direitos garantidos sem precisar lutar por eles e isso não vai mudar! Aquele que não tem o direito é que deve clamar por ele, na busca por se igualar, na medida do possível, ao opressor, em termos de "facilidade social".

Passemos, então, a outro grupo oprimido: o dos tatuados. Ainda temos de nos impor diante de situações específicas, por exemplo, no que diz respeito ao mercado de trabalho. Empresas e instituições governamentais que se recusam a empregar tatuados continuam a existir - elas nos negam o direito de trabalhar. Então não deveríamos lutar para garanti-lo? Imagine você se, ao perceber que uma instituição empregou alguns sujeitos tatuados, um "não-tatuado" começasse a questionar a empresa, perguntando se ela ainda estaria empregando pessoas sem tatuagem... Pois é, não há lógica nenhuma nisso. Mas é justamente essa linha de pensamento que deve ser empregada no comentário feito pelo tatuador na notícia sobre LGBTs.

Parece-me que as pessoas estão cada vez mais impulsivas. O imediatismo que se instalou em nossa cultura se instalou também em nossa fala... queremos tanto comentar, falar, marcar nossa "presença virtual" que não estamos dispostos a gastar um pouco de tempo na reflexão. As respostas devem ser cada vez mais imediatas e, por consequência, cada vez menos "pensadas".