sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

29 de janeiro, Dia da Visibilidade Trans


Como já devem ter notado pelas redes sociais, hoje é o Dia da Visibilidade Trans (na foto, a lindíssima Raquel Virgínia, uma das vocalistas da banda As Bahias e a Cozinha Mineira). A data vem para nos lembrar da luta - esta, diária - das pessoas trans para que seus direitos básicos sejam garantidos em uma sociedade que pouco ou nada faz para acolhê-las.

Há algumas notícias boas no que concerne principalmente à adoção do nome social por parte de algumas instituições, além de histórias pessoais inspiradoras. Mulheres como Maria Clara Araújo, Sofia FaveroDaniela Andrade, entre outras - e outros também - expõem a realidade trans e escrevem sobre suas experiências de forma esclarecedora e contundente, militando diariamente pelo direito de ter suas identidades legitimadas.

Por outro lado, os dados continuam a assustar: só neste 2016 foram registradas, até o momento, 56 mortes de mulheres trans! Ao lado desse número encontramos ainda comentários discriminatórios e que estimulam ainda mais o ódio ao sujeito transgênero. Um exemplo é a postagem, feita no Facebook, por um professor da Unicamp, a qual ele parece ter apagado após reclamações:


Esse professor não deixa clara somente sua intolerância, mas também seu desconhecimento do funcionamento da língua - que é extremamente maleável e está em constante transformação - e, principalmente, sua desatualização em relação à biologia. Como se não bastasse, é antiquado o suficiente para falar em roupas "de garoto", como se uma travesti precisasse usar roupas "femininas" para ter sua feminilidade reconhecida.

O conceito de "travesti" ao qual o professor se refere não é mais usado há muito tempo; à pessoa que se transveste chamamos "cross-dresser". Estudos sobre o grupo social ao qual hoje denominamos "travestis" vêm sendo feitos desde os anos 1990 e a denominação foi apropriada em toda a América Latina por travestis ativistas já naquela época. 

Sobre a questão biológica, não nos esqueçamos, existe também um número considerável de estudos tanto sobre a inconformidade entre corpo e mente que é classificada como "transexualidade" como sobre o amplo espectro sexual de espécies diversas, comprovando a não limitação ao mero binômio homem/mulher ou macho/fêmea. Além do mais, um sujeito que ignora a existência da transgeneridade invalida, ainda, inúmeras culturas ao redor do mundo nas quais, desde a antiguidade, expressões de gênero para além da masculina e da feminina são reconhecidas.

Em suma, esse professor revela desconhecer os processos de formação e modificação da linguagem, os estudos médico-biológicos a respeito do tema, além das ciências sociais e antropológicas que legitimam o sujeito trans. Não se trata, dessa forma, de alguém capaz de tecer comentários sobre essa questão.

A travesti que entra no banheiro feminino não está tomando o espaço de ninguém. Se a mulher que está no banheiro (no caso, o relato é da esposa do professor) sente que seu espaço está sendo tomado pela presença de outra pessoa isso significa que aquela mulher não sabe dividir o espaço com as diferenças - para ela, somente as mulheres iguais à ela devem dividir o mesmo banheiro. Afinal, se a mulher que se incomodou preocupa-se com um assédio, ela está cometendo um pré-julgamento com base no estereótipo da travesti "barraqueira"; essa mulher deve sentir-se preocupada, também, se uma mulher com roupas "de garoto" entrar no banheiro por aparentar masculinidade, ou com uma mulher que entre usando roupas sujas, por aparentar pobreza. Para esse tipo de pensamento não há outro nome: é discriminação. 

Sabemos que o conservadorismo emerge com mais força quando se vê afrontado por mudanças. Indivíduos conservadores têm medo do novo, têm medo de ser obrigados a conviver com as diferenças, pois são elas que revelam o quão frágeis são seus pensamentos e suas "verdades absolutas" (para maiores informações, ver: Como conversar com um fascista, de Márcia Tiburi).

Meu último recado é para as mulheres que precisarem usar um banheiro público à noite: se encontrarem uma travesti, aproveitem a oportunidade para fazer uma nova amizade. E se o lugar for deserto, não se esqueça de propor: "vamos juntas?".

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Como o islã vê a transexualidade?

A islamofobia é um problema real. Porque encaramos a sociedade islâmica a partir de nossas concepções cristãs-ocidentais, restringimos nossa visão e nos pautamos apenas nas notícias por aqui veiculadas - a maior parte delas tratando somente de guerras e ações terroristas.

Como é o caso de todas as religiões, o islã também apresenta segmentos fundamentalistas, alguns tendo se tornado conhecidos por seu radicalismo e violência. Mas não se pode dizer que são eles os representantes dos indivíduos muçulmanos, os quais correspondem a cerca de 23% da população mundial. São, antes, uma minoria.

Em termos de governos no poder em países de maioria muçulmana, de fato, predomina o conservadorismo. Política e religião estão intimamente ligadas na maior parte dos países de maioria islâmica e muitas das leis instituídas encontram suas justificativas exclusivamente nos ensinamentos sagrados.

A homossexualidade ainda é considerada um crime em diversos países islâmicos, podendo ser punida com a morte na Arábia Saudita, Sudão, Somália, Mauritânia e Irã. Em outras nações, por sua vez, há certa tolerância, como no caso do Egito, Tunísia, Indonésia, Albânia, Turquia etc. Porém, mesmo nesses países a discriminação contra homossexuais é recorrente, vindo com a não aceitação da família e, por vezes, o assassinato.

Curiosamente, apesar da condenação da homossexualidade, os tratamentos dispensados a transexuais são, por vezes, de relativa aceitação - não quero dizer que pessoas trans são bem tratadas ou totalmente aceitas, mas que a transfobia pode ser mais amena em algumas das nações muçulmanas.

Um caso interessante é o do Irã, que permite a cirurgia de redesignação genital desde 1983, após o líder islâmico, aiatolá Khomeini, passar uma fatwa (pronunciamento legal no Islã emitido por uma autoridade religiosa) permitindo a operação aos "diagnosticados como transexuais".


O governo ajuda a pagar pelas cirurgias pois considera a transexualidade uma doença que pode ser curada, usando como argumento o fato de a condição não ser mencionada no Alcorão, nem considerada como um pecado - diferentemente da homossexualidade, que é encarada como um comportamento imoral e condenável segundo o livro sagrado.

O fato de o país permitir a cirurgia também não significa que haja uma liberdade de escolha para pessoas transgênero: passar pelas operações são uma necessidade para que o indivíduo se encaixe na sociedade como alguém "normal". Aqueles ou aquelas que não passam pela transição e pela cirurgia são considerados disruptivos, enganadores, pois dizem ser portadores da "doença" mas rejeitam sua "cura". Seu comportamento é visto como um pecado porque rompe com a ordem e a organização social.

Há outras questões ainda mais complexas no que diz respeito à permissão para que sejam realizadas cirurgias de redesignação e à suposta aceitação de transexuais no Irã. A primeira delas tem a ver com a precipitação que pode acometer algumas pessoas que, sentindo-se "diferentes", logo buscam a operação - afinal, quando a homossexualidade é veementemente condenada, qualquer homem que se sinta "efeminado" ou mulher "masculinizada" pode encarar o diagnóstico de transexualidade e posterior transição como uma maneira de se obter melhor qualidade de vida ou mesmo de sobreviver num país onde ser gay é crime capital.

A segunda questão está no próprio reforço da normatividade, quando ainda se busca ter controle sobre o corpo de cada cidadão. Se, por um lado, permite-se a transição, por outro, não se trata de uma escolha ou de um apoio à diversidade. Na verdade, essa permissão trabalha a favor de uma uniformização do gênero por meio da qual transexuais são apoiados a fim de se encaixarem na sociedade que visa à manutenção da ordem.

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Documentário: "Transexual no Irã (Ser como os outros)"

Disciplina excessiva e suicídio: o que não falam sobre o Japão


Quando falamos em benefícios da disciplina, frequentemente usamos o Japão como exemplo a ser seguido. O país cultua uma imagem de organização e eficiência que desperta a admiração de todo o mundo e povoa os desejos dos mais conservadores, que sonham com uma sociedade igualmente disciplinada e organizada.

No entanto, a cultura japonesa é muito mais complexa do que nosso senso comum é levado a crer e, por trás dessa perfeita disciplina há fatores extremamente sérios envolvendo, inclusive, um número alto de suicídios até mesmo entre crianças.

Entre os anos de 1973 e 2012, mais de 18 mil crianças cometeram suicídio; em 2014, essa foi considerada a primeira causa de morte entre os jovens de 10 a 19 anos de idade. Os períodos em que a taxa é mais alta são durante a volta às aulas.

Nas escolas japonesas, não há espaço para individualidade e criatividade; desde muito pequenas as crianças começam a aprender matérias como inglês e matemática, além de assistirem aulas extras para conseguirem entrar nas melhores instituições. A competitividade que pressiona os alunos e requer dedicação estrema leva também ao bullying que é, por vezes, encorajado pelo comportamento dos professores ao punirem os alunos

Há jardins de infância - mais rígidos, considerados os melhores - em que os uniformes das crianças consistem apenas de shorts, sem camisa ou blusa que aqueçam os pequenos alunos durante o frio, uma forma de os tornarem resistentes ao clima gelado. É comum, por exemplo, que estudantes assistam aulas até meia-noite já no primeiro ano na escola.

Em sua maioria, pedagogos japoneses não acreditam que uma criança possa ser criativa, apenas espontânea e qualquer excentricidade deve ser desencorajada. O sistema de ensino autoritário acaba por suprimir as emoções dos alunos, não interessa o quão jovens sejam. Assim, o bullying passa despercebido simplesmente porque estudantes não devem relatá-lo, mas aprender a conviver com ele. Ademais, não existem políticas educacionais para inclusão de autistas ou indivíduos com dificuldades de aprendizagem.

O que se observa, em suma, é que a disciplina que consideramos exemplar é obtida às custas da própria humanidade das pessoas desde pequenas. A importância de se manter as aparências faz com que seja condenável falar o que se pensa; a separação da vida íntima e pessoal da vida social deve ser preservada por todos. Em casa, os filhos têm pouco contato com os pais, que se tornam workaholics - em função da competitividade - e se deparam com as exigências das mães para que sejam também bem sucedidos.

Outra consequência do sistema educacional japonês é o aumento da violência cometida por jovens que, devido à pressão, tornam-se agressivos. O número de adolescentes que, transtornados, recorrem a crimes violentos como forma de reagir contra o sistema vem aumentando desde 2002 e, em resposta, estima-se que cerca de 1 milhão de jovens vivam reclusos em suas casas. Eles o fazem por exigência da própria família, envergonhada pelo filho incapaz de ser bem sucedido; outros, acreditando terem falhado em seu dever para com a sociedade, seja por não apresentarem um bom desempenho na escola ou por não conseguirem um bom emprego, entram em reclusão ainda na adolescência por vontade própria - são os chamados "hikkikomori".

As estatísticas têm alarmado o governo japonês, que busca formas de reinventar sua cultura educacional com medidas como o fim das aulas aos sábados ou a redução das notas exigidas nas universidades.

Quando uma pessoa defende uma educação regida por militares, mirando-se no exemplo japonês, ela não leva em conta especificamente o fator humano e a que custo se mantém uma cultura disciplinar. Nesse tipo de sistema um ensino bem sucedido depende de um adestramento que ignora por completo as subjetividades - e essas pessoas vão tentar dar vazão a essas necessidades subjetivas de outras formas, o que pode ter um efeito negativo na sociedade como um todo.

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Leituras recomendadas:
Documentários (em inglês):

domingo, 17 de janeiro de 2016

Vamos falar de sexualidade na infância?

Acho que está ficando cada vez mais complicado prever até que ponto vai a desonestidade das pessoas que, na tentativa de defender seus ideais, literalmente inventam notícias e informações que validariam seus pontos de vista.

Bolsonaro fez um vídeo recentemente tratando de um livro sobre sexualidade que, segundo o próprio, seria distribuído nas escolas públicas. A publicação, intitulada “Aparelho Sexual & Cia”, da editora Cia. das Letras, não tem relação alguma com o MEC e não existe proposta de distribuição do mesmo em escolas, conforme o próprio Ministério divulgou em nota oficial.

Trata-se de uma obra de autoria de Hélène Bruller e Zep, a primeira, quadrinista e ilustradora francesa, ex-mulher do segundo, um quadrinista suíço, ambos com obras que são sempre sucesso de vendas – incluindo a referida “Le Guide du zizi sexuel, que traz Titeuf, famoso personagem de Zep, com o intuito de explicar a sexualidade para PRÉ-ADOLESCENTES. Publicado na França em 2001, o livro já vendeu mais de 1,5 milhão de cópias em todo o mundo.




De maneira bastante clara e objetiva – e com humor –, a obra trata justamente daquilo que os pais têm dificuldade de abordar em conversas com os filhos em fase de desenvolvimento: a sexualidade. Não se trata de um estímulo à sexualidade precoce, mas de uma forma eficaz de sanar as dúvidas que as crianças possam ter sem que os pais se embaracem para responder a certas perguntas.

Na mesma linha de desonestidade intelectual, uma postagem andou sendo compartilhada no Facebook a respeito de outro livro que seria distribuído pelo MEC; a página fotografada e difundida trazia um desenho certamente voltado ao público infantil e a descrição do ato sexual.


Nesse caso, bastava ler o texto para notar que nem sequer se tratava de um livro brasileiro, uma vez que a acentuação das palavras é bastante diferente, além de trazer expressões específicas: “bebé”; “o pai mete-se (...)”; “pénis”; “mamã”. A obra é de autoria de um autor galego (o idioma, de fato, é bem próximo ao português), de nome Pepe Carreiro, e faz parte de uma série que envolve seus personagens infantis, os Bochechas, e faz enorme sucesso em Portugal. Novamente, o conteúdo do texto é a sexualidade, explicada de maneira direta, sem rodeios.

Além da questão concernente à falsidade das “notícias”, é interessante que pensemos sobre a sexualidade propriamente dita. As crianças não estão completamente alheias ao sexo, por mais novas que sejam. A partir do momento em que a criança percebe a si mesma e a seu corpo, ela já está em contato com a sexualidade e já no período entre os 2 e 6 anos de idade começará a fazer indagações sobre os motivos das coisas – o que pode incluir o porquê de os bebês nascerem ou de existirem os casais. Diga-se de passagem, foi comprovado cientificamente que é nessa idade que as crianças se dão conta de suas identidades de gênero.

No período que compreende os 6 e os 10 anos, começam as brincadeiras a nível “sensual” – exploratórias dos órgãos genitais e de áreas de prazer. De certa forma, esses interesses sinalizam a entrada na puberdade. Falar de sexo, propriamente dito, nessa idade, é uma maneira de esclarecer e de educar as crianças para que estejam cientes de seu próprio corpo e até mesmo para que possam compreender o que está por vir.

Educar a criança sobre a sexualidade é algo benéfico quando sua curiosidade natural não é ainda permeada por pensamentos maliciosos. É, inclusive, uma oportunidade adequada para alertarmos a respeito de comportamentos impróprios e até sobre indivíduos que a possam machucar.
O mundo contemporâneo é permeado pela sexualização: na música, na TV, nas propagandas e, principalmente, na internet. Afirmar que a criança de 8, 9 anos não tem ideia do que seja sexo e sexualidade é no mínimo hipócrita.

Além do mais, os primeiros contatos que uma criança tem com a sexualidade (e com o sexo) ocorrem dentro de casa, com a família e nos círculos sociais. Se existe o fenômeno da chamada sexualidade precoce, não se trata de algo causado pela educação.

Apenas o professor, que adentra à sala de aula, sabe o que é ouvir comentários de cunho sexual diversos da boca de crianças e não poder fazer nada a não ser repreender verbalmente, algo que, sabemos, não adianta muito - são comentários que os pais muitas vezes nem mesmo têm noção de que os filhos fazem. 

Na adolescência (e, às vezes, até antes), um número considerável de alunos já inicia sua vida sexual, também sem o conhecimento dos pais. A escola também não consegue impedir que esses jovens adentrem no mundo da sexualidade, mas não pode, de maneira alguma, fechar os olhos para esse fato e ignorá-lo. Daí a necessidade de falarmos de sexualidade enquanto educadores.

Aos anti-petistas de plantão, um aviso:
Jair Bolsonaro não é um político honesto – como a maioria deles –, mente deliberadamente, como se pode observar por esse vídeo sobre o livro que ele disse ser aprovado pelo MEC, e tem um histórico para o qual é preciso se chamar a atenção: ele JÁ FOI CITADO NA LAVA-JATO; suas ofensas a colegas parlamentares são recorrentes, o pior, feitas a nível pessoal; várias vezes foi acusado de quebrar o decoro parlamentar, tentando impedir sessões, principalmente as relativas à Comissão da Verdade; é acusado de receber R$50 mil na ocasião do esquema da chamada Lista de Furnas; foi citado por Joaquim Barbosa como participante do Mensalão; é alvo de dois inquéritos pelo STF, um relacionado a racismo e outro a crime contra a fauna.

Segue, abaixo, um vídeo esclarecedor publicado pela página Nova Escola sobre as declarações do deputado.


Checagem de informações
CHECAGEM DE INFORMAÇÕESO deputado federal Jair Messias Bolsonaro (PP-RJ) publicou há alguns dias um vídeo sobre Educação.NOVA ESCOLA apurou as informações do vídeo. Veja agora os equívocos cometidos pelo deputado e os dados corretos.
Publicado por Nova Escola em Sexta, 15 de janeiro de 2016