quinta-feira, 2 de junho de 2016

Ciclos de absurdos (ou "Dos machismos disfarçados de opinião")


Vocês se lembram de quando o Femen emergiu e uma série de protestos com mulheres sem camisa teve sequência? Pois bem, não levando em conta a história do Femen, mas de como os seios femininos são vistos como uma continuidade dos órgãos sexuais, defendo que a sexualização dos seios é muito mais cultural que biológica.

Enfim, eis que, em comentário às manifestações, um sujeito acha válido ironizar que os seios à mostra das ativistas estão caídos. Ora, o que um indivíduo desse tem como base para caracterizar seios caídos? No mínimo, seios com silicone, artificialmente firmes – e, daí, realmente, minha resposta foi pessoal: eu disse que ele nunca deve ter visto seios reais para dizer que os das manifestantes estavam caídos, afinal, a maior parte delas são de garotas jovens com os seios ainda “no lugar”.

Veja bem, ironizar seios caídos atinge diretamente a toda e qualquer mulher que os tenha. Eu mesma sofri uma adolescência inteira por enxergar meus seios como se fossem anormais, caídos, impossíveis de provocar desejo em qualquer outra pessoa. Foi isso que me levou à cirurgia plástica.

Porque internalizamos os padrões, é difícil ter consciência de que os seios mostrados em propagandas, novelas e filmes estão longe de representar uma realidade sujeita, por exemplo, a ações da gravidade e das mudanças corporais que vêm com o tempo.

Quando digo que a sexualização dos seios é mais cultural, refiro-me a como, em muitas outras culturas, os seios expostos não são encarados como um convite ao sexo. Uma mãe que amamenta precisa, para tal ato, expor seu seio – e não há nada de sexual nisso, bem como não há absolutamente nada de sexual no bebê que suga o mamilo da mãe para se alimentar.

Que a atração sexual passe pelo corpo inteiro e que ele tenha, então, potencial de provocar desejo de qualquer forma, tem, sim, algo de biológico. Contudo, o direcionamento do desejo é altamente cultural na medida em que se fala que “homem gosta de peito” ou “homem gosta de bunda” – pois esse tipo de afirmação legitima uma sexualidade masculina incapaz de se controlar diante do instinto, mesmo instinto que, quando a mulher se deixa levar por ele, é prontamente condenada.

Quando o homem usa de exceções para dar exemplos de como, para ele, o feminismo é repleto de exageros, ele ofende às mulheres que vivem dentro de uma “regra”, a qual as sujeita a inúmeras dificuldades. Aqui entramos com a cultura do estupro.


É mais comum que uma mulher estuprada seja desdenhada quandofaz a denúncia do que adequadamente atendida, principalmente no caso de mulheres sócio-economicamente desfavorecidas. Se algumas mulheres acusam falsamente um homem de estupro, é óbvio que o fazem de má fé, mas não é essa a regra. 

Entre mulheres que denunciam abuso sexual, a maioria está dizendo a verdade – até porque, para uma mulher, denunciar o estupro é, por si só, vergonhoso, e ela só o fará se tiver convicção – e, portanto, o questionamento, por parte do delegado ou do investigador de que o estupro realmente teria ocorrido leva inclusive a atrasos na investigação – quando não há uma investigação já tendenciosa por conta do pré-julgamento do próprio oficial.

Vale lembrar que, segundo pesquisas realizadas no Reino Unido, um homem tem mais chances de ser estuprado do que falsamente acusado de estupro.

Aos que se protegem com o “direito à opinião”, é preciso que estejam atentos para até que ponto sua opinião não cruza a linha da invalidação de uma luta ou até mesmo de uma situação sobre a qual você, mesmo como detentor da opinião, não tem conhecimento algum. Afinal, opiniões não são validações científicas se você não é um especialista na área sobre a qual está opinando.

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