terça-feira, 23 de junho de 2015

Sobre paradas, tensões e representações


O movimento LGBT como o conhecemos hoje tem uma história recente. Nos anos 1950 os grupos criados para advogar a favor dos gays – por muito tempo “gay” vem sendo usado como termo dominante para se referir a todos os LGBTs, uma simplificação um tanto quanto incômoda – se apoiavam em discursos de psicólogos, psiquiatras e sexólogos para deixar claro à sociedade que não podiam fazer nada a respeito de sua homossexualidade. A ideia era a de que a homossexualidade era uma espécie de patologia ou doença, sobre a qual homossexuais não tinham controle algum e da qual não se orgulhavam. Mas à parte desse “desvio”, eram sujeitos normais, que queriam ser aceitos pela sociedade.

O problema desse pensamento estava justamente no fato de não se orgulharem dessa “perversão” incontrolável, da qual, aparentemente, envergonhavam-se. Tinham um desejo de adequação e assimilação tão grandes que pareciam pedir desculpas por sua sexualidade.

Nos Estados Unidos, durante as décadas de 1950 e 60, o sistema legal/judiciário era abertamente contra o comportamento homossexual; à época, todos os estados americanos consideravam crime a “sodomia”, mesmo que o ato fosse consentido entre adultos – à exceção de Ilinois, que descriminalizou a sodomia em 1961.

A rebelião que ocorreu em Stonewall Inn, em Nova Iorque, no ano de 1969, não foi a primeira demonstração de descontentamento por parte de indivíduos LGBT, mas representou um marco na luta pelos direitos da comunidade.

Os últimos anos da década de 1960 viram o surgimento de diversos movimentos sociais, como o African American Civil Rights Movement (lutando pela igualdade de direitos civis para afro-americanos), as manifestações anti-guerra e a contracultura. Nesse espírito, indivíduos LGBT também passaram a lutar por sua legitimidade, recusando-se a permanecerem invisíveis.

O Greenwich Village, em Nova Iorque, era o bairro onde homossexuais e pessoas trans se reuniam à noite e o bar Stonewall Inn, que pertencia à máfia, era conhecido por sua popularidade entre os mais pobres e marginalizados da comunidade gay, como drag queens, transgêneros, jovens homens efeminados, sem-teto e michês. Portanto, era comum que acontecessem batidas policiais de surpresa no local. Mas em 1969 as tensões entre LGBTs e a polícia culminaram em uma série de protestos que se repetiram por várias noites seguidas, ficando conhecidos como Stonewall Riots (ou “Rebelião de Stonewall”).

Drags, crossdressers, transgêneros e gays efeminados participaram ativamente dos levantes. Naquela época, a ideia de transgeneridade não era difundida, e a verdade é que mulheres trans eram confundidas com drag queens - diz a lenda, foram as drag queens as primeiras a resistirem fisicamente à força policial em Stonewall (em entrevista para o documentário Pay it no Mind: Marsha P. Johnson, o escritor David Carter revela que algumas testemunhas oculares lhe contaram ter visto Marsha gritar "Eu tenho meus direitos civis!" e jogar um copo no espelho, dentro do Stonewall Inn, e foi justamente esse o ato a deflagrar os protestos).
Contudo, essas pessoas são hoje, com frequência, deixadas à margem do movimento LGBT, por desafiarem um padrão de “respeitabilidade” estabelecido inclusive para homossexuais, que devem ser “discretos” e permanecer “no armário” socialmente.

Ativistas importantes como Marsha P. Johnson e Sylvia Rivera, que se auto-proclamavam “transvestites” (palavra já obsoleta, usada para designar cross-dressers), usavam o termo “gay” para se referir à comunidade como um todo, de maneira inclusiva, uma vez que a luta de todos e todas, naquela época, focava-se no simples direito de existir e de ter controle sobre o próprio corpo.

Um ano após os motins, em 28 de junho de 1970, aconteceram as primeiras marchas do Orgulho Gay, nas cidades de Nova Iorque, Los Angeles, São Francisco e Chicago, em comemoração aos levantes. Posteriormente, as marchas foram organizadas em outras cidades e se espalharam pelo mundo, acontecendo preferencialmente em junho.

As paradas são um momento de celebração, uma comemoração daquele passo dado por pessoas excluídas da sociedade que eram espancadas e reprimidas por forças policiais simplesmente por estarem na rua. Se nos eventos de hoje as pessoas se beijam e expressam seu amor livremente, é porque foi preciso uma luta física para que isso pudesse acontecer.

No entanto, sempre que ocorrem as paradas sofremos também com o “fogo amigo”. Membros da comunidade LGBT que batem no peito para dizer que a parada não os representa, agarrando-se a argumentos moralistas e que expressam uma vergonha em relação ao movimento “gay” contemporâneo. Criticam a promiscuidade de participantes que vão à parada apenas para “fazer pegação”... Claro, em eventos e celebrações regados a música e álcool, é de se esperar que ocorram excessos. No caso das paradas não seria diferente.

Lembro-me do discurso de Clodovil Hernandez, ainda aplaudido por muitos, afirmando que não tinha orgulho de ser homossexual. Trata-se de um reforço da noção de que a homossexualidade é uma característica negativa do indivíduo; uma posição que sustenta a polarização que determina que ser heterossexual é bom e ser homossexual é ruim. Qualquer semelhança com o discurso dos grupos chamados homófilos, dos anos 1950, não é mera coincidência. Trata-se da ideia de “respeitar para ser respeitado”... um respeito aos outros que passa pela falta de respeito a si mesmo, na verdade, já que depende de uma internalização da vergonha que outros nos fazem sentir.


Não podemos nos esquecer, no entanto, que a demonstração de carinho em público é uma forma de protesto para nós, LGBTs, que ainda afrontamos o sistema com nossa simples existência, como é possível notar pelos discursos conservadores e fundamentalistas que andam se propagando. Não podemos nos dar ao luxo de reprimirmos uns aos outros dentro da comunidade, pois é isso que querem de nós os que são contra nós – a separação dos grupos, a desunião, as tensões.

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