quarta-feira, 13 de março de 2019

Marielle, milícias, Rio de Janeiro e os Bolsonaros: o que tem a ver? - Parte 1

Da mesma forma que não é fácil escrever este texto, deixo avisado que ele não será fácil de ler.
Na postagem anterior, eu mencionei uma política da exaustão em curso e, agora, vou tentar articular sobre como isso tem funcionado para pessoas que vêm acompanhando a realidade política do Brasil e, ainda, estabelecer algumas ligações com as últimas notícias. É difícil dar conta de todas as informações sem ter uma pane mental.

Em primeiro lugar, é preciso falar, mais uma vez, da ideia de "estado de exceção". Já em 2003, Giorgio Agamben apontava sobre como ele havia se tornado regra, retomando uma das teses de Walter Benjamin (1942) sobre o conceito de História, em que aborda a "tradição dos oprimidos". Certamente, a reflexão benjaminiana sofreu influência direta do espaço e do tempo em que estava vivendo: a Segunda Guerra Mundial.

Nas décadas posteriores talvez fosse mais difícil enxergar essa exceção como regra, mas muitos de nós a percebem claramente agora, nesta contemporaneidade que vai ganhando moldes cada vez mais assustadores.

Um fato que pode ajudar a reforçar essa constatação, aqui no Brasil, é de que o livro Elite da Tropa, de autoria de Luiz Eduardo Soares, André Batista e Rodrigo Pimentel, teve sua primeira edição lançada em 2005. Nele, há um importante registro do governo paralelo do Rio de Janeiro exercido pelas milícias.

O que estamos descobrindo, enfim, é que de fato as milícias ocupam posições importantes e têm ligações com políticos diversos. Se pesquisarmos mais a fundo, veremos que se trata de uma espécie de prolongamento do regime militar no país, quando a corrupção não era conhecida do público, mas acontecia com o envolvimento de policiais e militares. Sobre este tema, vale a pena conferir o livro Os porões da contravenção, escrito por Aloy Jupiara e Chico Otávio.

Em segundo lugar, não podemos nos esquecer de que ocupa a presidência um político de carreira. Eleito pela primeira vez em 1988 para o cargo de vereador da cidade do Rio de Janeiro pelo Partido Democrata Cristão, hoje extinto, candidatou-se a deputado federal logo em 1990. Foram 6 reeleições, perfazendo 28 anos, até sua eleição como presidente.

O discurso político de Jair Bolsonaro sempre teve como ponto central a defesa do militarismo e da belicosidade. Para além de declarações favoráveis ao regime militar e às práticas governamentais da referida época, o presidente é fã assumido de Carlos Alberto Brilhante Ustra, notório torturador condenado em 2008 pela 23ª Vara Cível de São Paulo.

Em 2003, Jair Bolsonaro chegou a defender grupos de extermínio que atuavam na Bahia, em discurso na Câmara dos Deputados. A bem da verdade, ele não foi o único político a elogiar a atuação de grupos paralelos na ausência de segurança garantida pelo Estado. Foi, inclusive, essa visão positiva das milícias como protetoras do "cidadão de bem" refém de criminosos um dos fatores que culminaram na eleição do atual presidente.

No mesmo ano de 2003, Flávio Bolsonaro, então deputado estadual no Rio de Janeiro, concedeu a Medalha Tiradentes, considerada a maior honraria do estado, a Adriano da Nóbrega, ex-capitão do BOPE. No ano seguinte, foi prestada uma homenagem ao major Ronald Paulo Alves Pereira, também por Flávio, na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Ambos são parte da milícia que atua no Rio de Janeiro.

Em 2005, Jair Bolsonaro, em pronunciamento na Câmara dos Deputados, pediu ajuda de Denise Frossard, então deputada federal e ex-juíza criminal, para reverter a condenação de Adriano da Nóbrega, condenado a 19 anos e 6 meses de prisão pela morte de Leandro dos Santos Silva. Leandro, guardador de carros, foi assassinado na favela Parada de Lucas, na Zona Norte do Rio. Segundo seus familiares, o jovem havia denunciado Policiais Militares que praticavam extorsão a moradores da comunidade.

Em 2007, em discurso, o deputado assinalou que as milícias têm uma atuação positiva, que causaria medo em defensores dos Direitos Humanos. Páginas de notícias chegaram a apontar a pretensão, pelo parlamentar, de elaborar um Projeto de Lei que legalizasse a existência da "polícia mineira" – gíria usada para designar as milícias. Em 2008, na CPI das Milícias – presidida pelo também deputado estadual Marcelo Freixo –, Flávio voltou a defender os grupos, posicionando-se contra a CPI e alegando que as organizações seriam uma consequência do descaso estatal.

Neste primeiro apanhado de informações, notamos que 1) existe uma tradição miliciana no Rio de Janeiro; 2) o clã Bolsonaro, que nunca escondeu seu posicionamento favorável ao uso de repressão e violência como métodos oficiais, defende há tempos a atuação de milícias como método de segurança paliativo e 3) com a eleição do atual presidente, cria-se um clima em que a atuação das milícias é não apenas facilitada, mas aplaudida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário