terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

MEC e doutrinação ideológica


O Ministério da Educação (MEC), comandado por Ricardo Vélez Rodriguez, eviou por e-mail um comunicado às escolas solicitando que alunos e funcionários sejam filmados, em fila, enquanto cantam o hino nacional, além de que se faça uma leitura de carta assinada pelo ministro.

Embora o ato de cantar o hino nacional não seja um problema, sendo prática de algumas escolas, o pedido encaminhado pelo MEC é problemático em diversos níveis – estudei por 5 anos em uma escola na qual era hábito que os alunos ficassem em fila para cantar o hino e ouvir uma acolhida, não tendo afetado em absolutamente nada o comportamento, muito menos o senso de civilidade dos estudantes que, se não existia, continuou não existindo.

O primeiro deles está em se filmar crianças e adolescentes sem autorização expressa dos responsáveis, o que é proibido por lei – e, a não ser que o MEC tenha, por escrito, uma declaração de cada responsável por cada menor de idade autorizando a referida filmagem, ele está agindo ilegalmente.

Segundo o Artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8069/90): "O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais". No âmbito da Constituição Federal de 1988, a inviolabilidade da intimidade da privacidade de todas as pessoas também é garantida. Assim, além de ser necessária a autorização individual de cada responsável/tutor, o MEC precisa deixar claro o motivo pelo qual se está solicitando a filmagem, pois não se sabe para quais fins este material será usado.

Podemos inferir que o Ministério pretende elaborar propagandas políticas com as filmagens em questão. Contudo, o fato de dispor de imagens que identifiquem estudantes, professores e funcionários da educação de todo o país pode despertar algumas desconfianças em tempos em que vivemos sob um governo que se elegeu com a promessa de eliminar movimentos sociais e libertar o país "da submissão ideológica" (BOLSONARO, 2019).

A carta assinada por Rodriguez a ser lida nas escolas é um outro problema, pois demonstra o desconhecimento acerca da própria competência do MEC e do modo como correspondências oficiais devem ser feitas. Rodriguez é um representante do Ministério e não o contrário; a carta não pode ser assinada com seu nome, pois o órgão público não se resume em um único indivíduo. Trata-se de uma regra básica de impessoalidade da redação oficial e de um princípio da lei constitucional apontada no Artigo 37 da CF.

A finalização da carta com um slogan de campanha presidencial já finalizada – "Brasil acima de tudo. Deus acima de todos!" – traz um claro viés de doutrinação política e religiosa, ferindo o princípio constitucional da laicidade do Estado e de inviolabilidade da liberdade religiosa. Apesar de a maioria dos brasileiros acreditarem no Deus cristão, não se pode exigir que os cidadãos sigam uma crença específica.

Além disso, usar o slogan da campanha eleitoral de Bolsonaro em um comunicado oficial que parte de um Ministério é inconstitucional. Não obedecendo o princípio de impessoalidade, como já explicado – afinal está demonstrando a preferência política do ministro –, fere ainda outro parágrafo do Art. 37 da CF: "§ 1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos".

Até o momento, de fato, o ministro da Educação não demonstrou nenhuma ação efetivamente positiva que nos permita vislumbrar qualquer melhora na área. Acreditando em teorias conspiratórias, Rodriguez extinguiu a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) logo no início de seu mandato e tem apoiado uma bandeira de combate a uma doutrinação [inexistente] dentro das escolas.

A defesa de um ensino cívico-militar em escolas municipais, com experimentos iniciados em cinco unidades de Brasília, até o momento não veio acompanhada de uma busca pela melhora das condições de ensino mais básicas e que têm se mostrado mais precárias no país: infra-estrutura dos prédios, alimentação dos estudantes, salários e valorização de professores.

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Leituras adicionais e fontes deste texto:
1) MEC envia carta às escolas pedindo que crianças sejam filmadas durante execução do Hino Nacional
2) Juristas e educadores criticam pedido do MEC para execução de hino e leitura de carta com slogan de Bolsonaro
3) Constituição Federal, Art. 37
4) Artigo 17 do Estatudo da Criança e do Adolescente
5) Ministro da Educação fala sobre ideologia de gênero e Escola sem Partido

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Vídeo sobre outro comunicado do MEC em que o princípio de impessoalidade não foi observado, evidenciando o despreparo do atual ministro, além do uso de conspirações para abordar uma desavença pessoal com jornalista:


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